Eleonora Oliosi


Eleonora Oliosi


Eleonora Oliosi Müller. Nasceu em Pelotas, no Rio Grande do Sul a 28 de julho de 1939.
Inciou seus estudos em Porto Alegre. Sempre gostou de dança, apesar de não haver artistas na família. Os pais procuraram um lugar onde pudesse desenvolver essa habilidade. Em Pelotas não havia por isso se transferiram para Porto Alegre e lá estudou com Tony Seitz Petzhold durante 6 anos quando veio para o Rio de Janeiro fazer provas para a Escola de Dança. Foi aprovada no exame para o Preliminar, pela idade (12 anos). A partir daí começou a pular os anos. As notas eram sempre 10. Fez a Escola de Danças em 4 anos.  Passou a estagiária no Corpo de Baile e cada final de ano prestava os exames até completar todo o curso. Edith Vasconcelos e Yara Marília foram suas professoras. Paralelamente, fazia aula com outros professores indicados pela própria Beatriz Consuelo (primeira bailarina do Theatro Municipal do Rio de Janeiro e também gaucha) para manter e aprimorar ainda mais a técnica - Maryla Gremo primeiro e depois com Consuelo Rios. E foi assim que começou tudo.

FORMAÇÃO PROFISSIONAL

A formação feita no Brasil e completada com professores de nível internacional, tanto no Brasil quanto no exterior. Ganhou o Concurso Internacional de Dança em1961 e ficou um ano (1962) estudando na Europa com bolsa. Foi a primeira vez que eu dancei “Coppelia”, foi neste Concurso. Eu já era uma primeira-bailarina. O Concurso Internacional daria uma bolsa de estudos no exterior. Era a minha chance. Tudo era financiado pelo Itamaraty. A primeira colocada das brasileiras ganharia bolsa de estudos através do Itamaraty. Tatiana Leskova me preparou. Foram três provas. Eram 42 bailarinos de fora e oito brasileiros.  A primeira prova foi eliminatória. Não houve prova de aula. Todas as provas eram abertas ao público. Ficamos 5 finalistas e eu a primeira colocada entre as brasileiras. A bolsa já estava garantida. Na classificação final fiquei em segundo lugar, A presidente do júri era a Verchinina (Nina Verchinina). As opções eram o segundo ato do “Lago”, o primeiro e segundo atos de “Coppelia”, e o primeiro de “Giselle”. A bolsa do Itamarati não estava determinada para onde seria Poderia ser na  Rússia, de três a cinco anos. Aquilo que me encheu de muito pavor. Queria ficar só um ano. Leskova sugeriu Paris com Lubov Egorova, que havia sido sua professora. Fazia aula na turma mais adiantada, com os primeiros-bailarinos da Ópera de Paris. Diariamente fazia , pela manha, com ela, à tarde eu saía para conhecer outros professores. Foi muito proveitoso.

ENTRADA  para o Corpo de Baile - em 1958.


PORQUE DA ESCOLHA DO BTM

A minha vida foi sempre direcionada para este propósito desde que a família descobriu aquele dom. A família achou meio estranho os meus pais se locomoverem por causa disso. Eles até então tinham só um filho porque Elisabeth (Elisabeth Oliosi –irma) nasceu em Porto Alegre. Já tinham um outro filho mais velho. Eu só tinha um avô que me incentivava muito. Minha mãe me perguntava muitas vezes: “É isso que você quer? Você precisa saber se é isso. Porque se for nós vamos ter que mexer completamente numa estrutura para ir para uma cidade maior.” Foi muito apoio. Viemos de navio. Foi uma aventura. Minha mãe veio com os três filhos e meu pai ficou. Ela comunicou a ele por telegrama que eu havia passado mas que o dinheiro tinha acabado. Foi muito incrível, acho essa história fantástica. Meu pai trouxe um dinheiro que ele pegou na firma onde trabalhava, se desligou de tudo e ficou aqui abrindo o Jornal do Brasil diariamente e procurando um lugar para trabalhar. Voltou para Porto Alegre para fechar o apartamento, se desfazer de tudo e vir embora de vez. Eu disse a ele que estava devolvendo tudo que ele fez por mim. E ele disse que, de maneira nenhuma, eu não devia nada a ele, que estava tudo no ponto certo. Minha mãe assistia todas as minhas aulas lá em Porto Alegre. Ela nunca entendeu nada de balé, mas criticava bastante. “Foi muito ruim. Você quer ser o quê? Bailarina do Theatro Municipal do Rio de Janeiro? Não vai ser nem bilheteira!” Eu gravei aquilo. Então foi por isso que eu resolvi ser bailarina. Tive apoio dos professores, apoio da família e trabalhei muito.

ROTINA

Entrávamos às 9 e meia para a aula. Naquela época, o Araújo ficava com aquela prancheta, tomando nota da presença de todo mundo. Era assim: depois de assinar o ponto você ainda tinha que ter o seu nome assinado na presença da aula. Fazíamos aulas das 9 e meia até às 11. Depois parava um pouco, e vinham os ensaios que iam até 2, 3 horas da tarde. Quando acabava ali, pegava o “lotação”(transporte rápido da época) e ia “chispando” para Dona Eugênia (Feodorova), no Leblon, na Carlos Góes. Fazia a aula no horário que conseguia chegar. Tinha uma aula das 4 às 5 e meia e outra a partir das 6. Eu não dava trégua, não. Fui uma bailarina que nunca teve facilidade para nada. Eu não tinha “abertura”, minha “borboletinha” não baixava nunca, nunca tive extensão, nunca tive facilidade para giro nem para pulo e não tinha um físico privilegiado.  Era tudo contra. Mas o que acontece? Se tudo é contra e eu quero, eu preciso trabalhar dobrado! Muitas pessoas do Theatro, quando nós víamos a tabela com a programação, ou a tabela do que ia acontecer, diziam para mim “Olha, você é uma pessoa que tem sorte.” E eu dizia: “Não. Sorte realmente é uma coisa que acontece. Mas o caso é termino o ensaio e fico aqui na sala treinando de novo e de novo e de novo. Porque se eu não fizer assim as coisas não vão sair e eu não vou merecer isso que você está vendo na tabela.” Nunca fui uma bailarina que tivesse toda essa facilidade, um físico privilegiado. Tinha que ficar à base de alface. Eu só fui descobrir o que era comer quando fui morar em São Paulo, eu já tinha 42 anos. Quando eu encerrei a minha carreira aqui e fui para São Paulo, dancei uma noite, meu marido já estava lá, a minha mudança já tinha saído toda, mas eu tinha um compromisso com Dona Eugênia aqui e dancei aquela noite. Só estava eu e minha mãe, ele já tinha ido. O apartamento estava vazio. E na noite seguinte dormi na casa da minha sogra, tudo espalhado, e no dia seguinte fui embora para São José e nunca mais pisei no palco. Ou seja, quando eu cheguei em São José dos Campos com 42 anos eu pesava 45 kg, eu nunca tinha saído do palco. E eu não sabia o que era comer. A coisa foi lenta e proveitosa. Então tudo isso foi uma luta pra mim. Agora, a nossa rotina lá no teatro era essa, você sabe muito bem. Nos tínhamos esses horários, até que nem era muito puxado, eu acho. Acho que outras companhias, principalmente hoje em dia, são muito mais trabalhosas. Trabalha-se muito mais. Era um horário corrido.

MELHOR E PIOR PERIODO

O melhor eu acredito que tenha sido quando eu voltei dessa bolsa na Europa. Quando estive fora muitos professores e bailarinos me viam em aula. Tive um convite para entrar para o Ballet do Roland Petit, mas não quis. Nunca tive intenção de fazer uma carreira internacional. Queria dançar no Brasil e quando voltei,  começou um período muito fértil. Dancei muito em todo Brasil, dancei muito no Theatro (Municipal) e sempre com muito sucesso, com críticas boas. Hoje em dia praticamente não tem críticos de balé. Foi um momento muito bom. Em 1964 (fiquei na Europa entre 1962 e 1963) veio o outro convite para concurso internacional de Varna (Bulgaria). Fui para Varna a convite do Itamaraty. Helba Nogueira na época era diretora. Eu acredito que eu não tenha tido épocas ruins dentro do Theatro. Tive algumas temporadas de coreógrafos nacionais e internacionais que não me escolheram para nenhum papel e não participar de uma temporada é bem difícil. Mas isso não foi um período, foram só algumas temporadas.

CURIOSIDADES significativas, sobre o dia-a-dia do Theatro, algo de curioso em ensaios ou aulas? Que você ache que seja interessante falar?

Eu acho que na nossa época nós éramos muito apaixonados por aquilo. Era uma paixão muito grande, nós ganhávamos muito pouco. Hoje em dia tudo é muito calculado. Naquela época não era bem assim, a gente queria era dançar mesmo. Nós éramos muito unidos, isso a gente sabe até hoje. E tinha muita alegria. O Dennis(Gray) era muito divertido, o Davi Dupré nem se fala! Fez coisas incríveis comigo dançando “Coppelia”. O palco tem uma leve inclinação, ele ficava atrás de mim na cortina falando “Eu vou largar essa cadeira agora”. Imagina você numa situação que não pode nem piscar e a pessoa falando isso atrás de você! E isso não era com maldade, era o espírito brincalhão, era o espírito da época, era isso. Nós éramos livres de preocupação, essas que todo mundo tem hoje, essa questão de salários. Era aquela vivência, só tínhamos vontade de dançar. O que importante era estar no palco. E que a temporada viesse. Disputas entre uma e outra? Nós éramos muito diferentes. A Ruth Lima era uma primeira-bailarina especial para alguns papéis, eu era para outros, Bertha (Rosanova) era a “absoluta”. Os meninos a mesma coisa. O David (Dupré) incrível, o Dennis (Gray), o Aldo Lotufo, todos eles, Arthur (Ferreira) e o Johny (Franklin), eram os 5 primeiros-bailarinos naquela época. Eram muito diferentes entre eles. Cada um tinha também o seu par. Dançava muito com o David, o biótipo combinava com o meu. Mas as temporadas não eram muito frequentes. Final do ano eu estive em Buenos Aires. O Teatro Colón estava fechado, mas na porta já estavam todas as datas de todos os balés, desde março até dezembro. A companhia não para lá. E nós aqui estamos muito longe disso. Eu acho até que há um tempo atrás dançávamos mais. Quando não dançávamos aqui viajávamos. Belém do Pará, Teatro da Paz fizemos temporadas incríveis. Com orquestra!

BALLETS QUE DANÇOU E ÉPOCAS

Olha, eu dancei tudo, então é difícil de localizar. Porque, como eu disse, depois que eu voltei da Europa começou aquele momento muito fértil em que eu dançava todos os balés. Todas as décadas foram muito boas para mim. Até o momento em que eu parei mesmo. E foi como eu te disse, eu parei da noite para o dia. Fiz todos os balés, dancei com Massine, no início da década de 1960. Você também dançou. Foram 5, eu acho.  Dancei em todos eles também.

DIRETORES / MAÎTRES

Diretores – (Tatiana) Leskova - saiu e entrou várias vezes. Acho que ela entrou e saiu enquanto eu estive lá umas 3 vezes. Ela era diretora do Corpo de Baile, primeira-bailarina, maître e coreografa. Englobou várias funções. Dona Eugênia (Feodorova) chegou a ser diretora ou se era só maître. Helba Nogueira, que ficou muito tempo.
Professores - Maryla Gremo deu aulas muito tempo, a Leskova dava também.  Harold Lander que montou “Etudes”, William Dollar. George Skibine Eles vieram como professores. De vez em quando apareciam umas professoras lá que a gente não sabia de onde vinham e fazíamos a maior chacota do mundo. Vem um professor russo e diz que o braço é “assim”. Vem um professor francês e diz que o braço não é “assim”. Um americano e diz que não é “assim” nem “assim”, é “assim”. Então isso para uma companhia é péssimo. Por que, afinal de contas, que estilo é essa companhia? Sem estilo totalmente! Então eu me lembro que apareciam uns professores lá meio estranhos. As próprias diretoras chamavam. A Leskova principalmente chamava porque ela conhecia muita gente. Até hoje ela é uma pessoa que conhece o mundo todo. O (George) Skibine, quando veio foi ela que chamou. Então foram épocas bem interessantes. Então os diretores eu não me lembro muito bem, mas dos professores eu lembro. E de vez em quando apareciam essas feras que a gente não sabia de onde eram. Não ficavam muito tempo também.

LECIONA OU LECIONOU?

Leciono desde os 14 anos, um amigo comum da família me indicou um colégio, na Rua Paissandu, que estava precisando de uma professora de balé. Dali para frente eu não parei mais até agora são mais de 60 anos dando aula! Não havia mais condição para mim. Em São José dos Campos eu trabalhei muito, porque eu tinha o meu grupo: “Balé Jovem Eleonora Oliosi”. Foi uma época maravilhosa, Quando eu cheguei as meninas tinham 7 anos, 6 anos. Os adultos lá já eram todos de outras escolas. Então vieram crianças e eu comecei a formar aquela criançada. Dez anos depois elas tinham 16 anos. E eu fiz o meu grupo, com o qual eu trabalhei 18 anos. E foi um trabalho a nível bem avançado. Eu montei tudo que eu dancei lá. Fiz um trabalho muito bom lá. E vim embora para o Rio, já estou aqui há 10 anos, mais de 10, e fui imediatamente trabalhar com Regina Sauer. Lá eu fiquei mais 10 anos com ela. Montei outras coisas, mas não de repertório. Porque vieram para a minha mão bailarinas já formadas. E muitas num nível contemporâneo. Elas faziam o balé clássico comigo para manter o contemporâneo. É muito difícil você trabalhar com esse estilo, esse clássico acadêmico. Mas eu fiz sim algumas coreografias muito interessantes, Então hoje eu faço a minha vida como júri de festivais, sou convidada para dar cursos, para a Regina  (Sauer)mesmo, todo ano eu dou curso de férias. Está ótimo, confortável.

COREOGRAFIAS E REMONTAGENS

Coreografias sim, só para escolas.
Remontei. Segundo ato de “Lago”, claro que nada grandioso. Mesmo porque era uma cidade pequena, a gente lutava muito para ter um patrocinador para pagar os cachês dos bailarinos. A minha sócia dizia que eu era maluca, que não havia dinheiro para aquilo. Mas São José é uma cidade muito industrial, muito cheia de fábricas e ela fazia esse serviço. E eu disse para ela ir atrás, tentar conseguir um patrocinador. Então eu montei o segundo ato de “Lago”, “Les Sylphides”, mas foi tudo lá. Aqui com a Regina eu não fiz nenhum balé de repertório.

OUTRA FUNÇAO NO THEATRO ALEM DE BAILARINA

Não. Até porque eu me afastei do Theatro um ano depois de casar. E o meu marido foi trabalhar no pólo petroquímico em Salvador. E eu também fiz um trabalho muito bom também no Teatro Castro Alves. E essa foi também a época de transição. Foi a época em que o Theatro passou a ser Fundação e foi um período bastante difícil para o coro, orquestra e balé.
Foi um período ótimo pra mim em Salvador. Porque as pessoas sabiam, quem eu era. “Eleonora Oliosi vem pra cá? Então vem trabalhar comigo!” E quem trabalhava lá na época era o Carlos Moraes e a licença dele terminou justo na hora em que eu fui pra lá. Ele logo entrou em contato com o Teatro Castro Alves e disse: “Eu estou saindo, mas está vindo uma pessoa para cá.” E foi aí que eles me contrataram. E foram quase 3 anos. Mas aqui no Theatro Municipal, não, nunca exerci nenhum cargo que não fosse de bailarina.

ALGUMA MENSAGEM OU ALGUMA COISA QUE QUEIRA FALAR

Eu gosto muito de citar uma situação bem interessante. Foi até Elisabeth (Oliosi - irma mais nova de Eleonora) ) que levantou isso para mim e abriu os meus olhos. Foi assim: eu fui fazer também a convite do Itamaraty o Concurso Internacional de Varna. Naquela época não acontecia isso. Então ela me disse: “Você abriu um caminho pra tudo que está acontecendo hoje.” Porque essas minhas apresentações em Varna foram extremamente interessantes, foi um sucesso muito grande, no sentido de ser uma representante brasileira, sem nenhum apoio. Porque quando me convidaram eu queria muito ter levado um “partner”, porque sabia que ia dançar dois “grand pas de deux”, eles mandaram no programa. Eu tinha que ter um “partner”. E a Helba disse que não havia condição porque era uma passagem só. Era pegar ou largar. E eu fechei os olhos e fui. Eu levei uma semana para chegar em Varna porque naquela época tinha que fazer muitas escalas. Cheguei lá e alguns brasileiros da delegação me receberam muito bem. Em Sófia, na capital. Mas depois para Varna eu fui sozinha. Quando eu cheguei lá eu solicitei bailarinos para dançar comigo. Eles tinham uma intérprete para mim. E só tinham duas pessoas na cidade que falavam espanhol. Essa senhora ficou à minha disposição. Foram maravilhosos comigo. E eu relatei tudo pra ela: que tinha ido sozinha, não tinha condição de levar ninguém. Eu queria inclusive levar pianista porque tinham países que levaram. Eles ensaiaram com o pianista deles. E o mínimo de pessoas que foram era quatro - o pessoal de Cuba tinha um pianista, uma bailarina e dois bailarinos. Mas eu não sabia dessa história. Eu só sabia que eu queria levar um bailarino e um pianista. Porque no programa dizia que os ensaios eram com piano. Eu queria levar Dona Helena comigo, que sabia falar russo. E falaram pra mim: “Nem pensar! Pega seu sapato de ponta e se manda!” Minha mãe quase arrancou os cabelos. Então, vendo a minha situação, eles colocaram à minha disposição os primeiros bailarinos da Ópera de Sófia. E lá, as aulas eram para todos no mesmo horário. Mas cada um tinha o seu horário de ensaio. Cada bailarino tinha direito à meia hora. Pra quem estava acostumado a dançar com aquela pessoa era o suficiente! O meu horário era às 8 horas da manhã. Só que eu pedi 1 hora de ensaio. Meia hora não há condição. Aí me disseram: “Só se você começar às 7.” Eu tive que começar o ensaio às 7 horas da manhã. Bom, para mim tudo bem. Mas tinham dois rapazes, dois bailarinos muito lindos que colocaram à minha disposição. A intérprete falou para eles que eu precisava começar às 7. E eu teria 1 hora e meia. E ela disse a eles: “Ela precisa de 1 hora de ensaio e mais a meia hora a que ela tem direito.” Tinha que testar os dois rapazes para escolher com quem dançar. Precisava saber se quem eu escolhesse estava disposto a vir ensaiar às 7 horas. E os dois disseram que sim. Eles estavam loucos para dançar. E era um festival de muita visibilidade. E aí comecei a dançar com eles. Eram dois “pas de deux”: um de “D. Quixote” na eliminatória, e outro que eu tive a ousadia de levar que foi “Águas Primaveris”. Mas por que eu ousei assim? Porque eram coreografias que eu dançava muito, tanto em viagens como no Theatro (Municipal). Então aquilo já estava gravado no corpo. Aí acabei escolhendo um deles. Foi um dia só para eu escolher. E no dia seguinte comecei a ensaiar com esse menino. Ele era um homem já feito, eu que era uma menina com 22 anos. Acabou que eu dancei esse “pas de deux” de “D. Quixote”. Nós éramos 99 candidatas de vários países. Todas eram obrigadas a dançar esse “grand pas de deux”. Não tinha essa coisa de contemporâneo, era clássico, acadêmico. Particularmente estava muito bem preparada, mas eu precisava me ajeitar com ele. Dançamos e fomos aprovados. Só ficavam 15 classificados, desse monte de gente para fazer a segunda prova. E dessas 15 ficaram 5 finalistas. E eu saí de lá com esse diploma de honra. Porque eu fui a primeira brasileira a ir para lá. Hoje em dia há brasileiros que têm prêmios em vários concursos internacionais. Mas naquela época isso não era tão freqüente. Hoje em dia há mais dinheiro também, não sei.
Eu acho que a questão do dinheiro existe. E também hoje em dia há órgãos que financiam. Então, quando você foi, ninguém sabia que no Brasil tinha bailarino bom!)
Não, eles ficaram impressionados! Na época eles não sabiam nem o que era Brasil. Vão saber que no Brasil tem balé? Tinha gente que dizia: “E vocês dançam tudo isso lá, é?” Foram essas pessoas que fizeram com que hoje em dia os bailarinos viajem. Abriu uma porta. Um olhar diferente para o Brasil.)
Muito diferente. Eu mesma vejo que hoje em dia há muitos. Não falei para você que eu fui para Nova York para ver esse festival? Fui para lá só para isso. Tanta gente jovem e bonita participando. Uma menina brasileira ficou em segundo lugar dançando maravilhosamente bem “D. Quixote”, quer dizer, não mudou nada! Outra questão, o repertório é o mesmo. Mas, afinal de contas, é um repertório que não vai acabar nunca. E isso é verdade mesmo, eu fui a primeira brasileira que saiu assim. E saí sozinha. Para fazer uma coisa que aqui no Brasil a gente não tinha nem ideia do que fosse.
Eu (Elizabeth Oliosi) acho também que Eleonora já tinha um estilo semelhante ao deles. Então foi um espanto ver uma bailarina brasileira dançando da forma da escola deles. Eles não poderiam nem supor que num lugar tão distante pudesse haver uma bailarina que dançasse assim. E dançar “Águas Primaveris” é uma coisa bem russa.
Pois é, foi muita ousadia, bem na casa deles.
Deve ter causado um certo espanto,  o estilo, a forma, o braço. Onde ela aprendeu isso?
Isso já foi com a Eugênia.
Na verdade, a nossa herança é toda russa.  Desde a Olenewa, a Leskova também e a própria Verchinina.
Quando os russos vieram aqui a primeira vez, acho que foram quatro casais, nós ficamos olhando. “Que dança era aquela?” Completamente diferente. Aquela exuberância toda, aqueles braços, aquelas pernas. Eu fiquei encantada. A Dona Eugênia (Feodorova) chamou no palco do Theatro o Armando e eu e pediu para nos ensinar. Tanto que eu nunca dancei “Quebra-Nozes” de Petipa, só dançava de “Lavrosky”. Porque primeira vez que eu vi “Quebra-Nozes” eu vi com eles. Eu já sabia que existia. E eles ensinaram a coreografia para nós com a maior boa vontade. Eles ensinaram o “pas de deux” do “Quebra-Nozes” de “Lavrosky” e eu nunca dancei de Petipa só dançava esse. E o “D. Quixote” também de “Lavrosky”, e “Águas Primaveris”. E tinha também a “Melodia de Gluck” que eu dançava com o Otto. Foram esses quatro “pas de deux” que eles nos ensinaram. Aí para dançar a “Melodia de Gluck” ela pediu ao Aldo para dançar comigo porque o Armando já não era de muitos “portés”. E “Melodia de Gluck” tem muitos portés. Além disso, o estilo também já era mais para o Aldo. Eles ensinaram tudo para nós. Então eu só sabia dançar aquilo ali. E logicamente levei para lá o que eu sabia. Nem passou pela minha cabeça que eu estava indo dançar na casa deles, cheguei lá e dancei o que eu sabia fazer. E todo mundo ficou: “Mas se dança assim no Brasil?” Então eu acho esse lance bastante interessante. E a Beth mesmo que alertou e até colocou num desses currículos para festivais: “Abrindo as portas para as bailarinas”. Eu fui a primeira brasileira que saiu para uma coisa ousada dessas. Mas na época eu nem me dava conta disso. Só queria mesmo era dançar, não importava onde. Para chegar em Varna eu fiz quatro vôos. Eu saí do Rio de Janeiro para Roma. E de Roma fui para Belgrado. De Belgrado pra Sófia. De Sófia para Varna. Então, daqui para Roma correu tudo bem. De Roma para Belgrado eu já encontrei dois da “tribo”, pessoas que poderiam estar a caminho de lá. E todos eles estavam em grupos de, no mínimo, três. Eu era a única que estava sozinha. Cuba que depois veio com a pianista. Mas de Belgrado para Sófia foi quando eu vi a “tribo” toda. Os bailarinos já estavam se agrupando. Vindo de outros países, fazendo suas conexões também. Mas estavam todos em grupo, eu era a única sozinha. Eu pedia a Deus para que eu chegasse até lá. Mas, quer dizer, não tinha apoio a essas coisas, não tinha mesmo. Mas hoje eu acho muito bacana quando eu vejo isso acontecer e percebo como eu pude contribuir para isso.
Eu acho isso uma maravilha. Esse grupo mesmo dessa menina que ganhou esse concurso, Baletarj   era um grupo grande. Eram os donos da academia, são dois. Era ela com o Davi, seu “partner”. Eles já dançavam isso aqui então foi só chegar no palco no Lincon Center e sair dançando. E tinha muita gente desse grupo lá.
É o grupo do Rômulo Ramos e da Ana Palmieri, que foram bailarinos do Theatro e quando ele sairam do Theatro fundaram essa academia. Basicamente o sucesso deles é em concurso. Como foi o Jorge Teixeira quando começou também. O caminho é o mesmo.
Ainda tem, a mesma ainda. Eles se dedicaram a isso. Ele está praticamente em todos os concursos. É Ana Clara o nome da menina.
Ana Clara é a bailarina. Ela é a melhor bailarina, ganha todos os concursos. E tirou o segundo lugar lá. A que ganhou o primeiro prêmio foi uma americana que era lindíssima também. Uma menina de 15 anos, um assombro. E a Ana Clara alcançou o segundo, eles gostaram dela. E ganhou bolsas. Eu fico pensando: “Mas eu ganhei uma bolsa só.” Hoje em dia elas ganham bolsa para Boston, para Mônaco, para Los Angeles, para São Francisco. E ainda podem escolher. Coisa boa!








7 comentários:

  1. Agradeço imensamente ao blog por eternizar essa história tão inspiradora!
    Linda e bela bailarina!!! Sempre foi e sempre será!!!

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  2. Renata Arrebola: Agradeço de coração a todo conhecimento dado por Eleonora Oliosi, que tive o prazer em estar junto em SJCampos - SP. Obrigada. Bjs.

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  3. Maravilhosa história de vida! Tenho uma gra de admiração por Eleonora Oliosi e sua trajetória na dança, só hoje fiquei sabendo que nascemos na mesma cidade! Muito orgulho❤️❤️

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  4. Fiz ballet com Eleonora dos 5 aos 7 anos no RJ. Depois de muitos anos voltei ao ballet, já aos 40 anos de idade e nan parei mais. Hoje aos 51 percebo como as lições da infância ficaram na memória. Não me esqueço das aulas, com pianista, onde aprendi a amar o ballet clássico.

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  5. Bonita história de uma bailarina brasileira.

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  6. Fui aluna da grande Eleonora Oliosi em Salvador, no curto período em que ela esteve aqui é a sua influência foi decisiva para eu seguir como professora de Ballet.
    A sua importância na minha vida foi fundamental e jamais a esquecerei. Para o nosso grupo ela criou “Bailarina de Degas”. Eleonora não somente foi uma grande bailarina, mas também uma excelente coreografa e certamente ainda o é. Me recordo bem a sua belíssima interpretação no Romeu e Julieta ( Música de Tchaikovsky) com Aldo Lotufo que se despedia da profissão nos palcos do Teatro Castro Alves.
    Eleonora Oliosi foi a professora de dança mais importante na minha vida e para ela eu fiz um desenho, uma caricatura dela, que segundo soube, ela conservou por algum tempo

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  7. Osni de Luna Freire

    Um abraço fraternal

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