Ana Botafogo

Ana Botafogo


Nasci Ana Maria Botafogo Gonçalves Fonseca, no dia 9 de julho. Virei Ana Botafogo na minha adolescência, que na verdade é meu próprio nome. Minha professora disse que bailarina não podia ter nome grande, até para poder colocar no programa. Exigia que suas bailarinas só tivessem dois nomes. E eu adotei esse nome pelos meus 12 ou 13 anos, e esse nome me seguiu por toda minha carreira. Naquela época eu nem sabia que eu seria bailarina profissional. Eu aprendi balé aqui no Rio de Janeiro, eu sou carioca, nasci e morei praticamente a minha vida toda na Urca. Do lado da minha casa tinha um conservatório de música, chamava-se Conservatório de Música da Urca. Lá eu comecei uma iniciação musical, fazia parte de uma bandinha junto com meu irmão.  E lá eu comecei a fazer aulas de balé com uma bailarina do Teatro Municipal do Rio de Janeiro chamada Luciana Bogdanish. Minha mãe, que era encantada por balé e já tinha estudado um pouco, me levou e eu logo me encantei. A professora também achou que eu já tinha uma certa musicalidade, ajudada pela iniciação musical e acabou sendo uma parceria muito boa. Começou como uma brincadeira de criança. Apesar de eu estar muito encantada e ter sido muito bem ensinada e de ter uma base muito boa, eu via como brincadeira. Adorava dançar! Eu tinha entre 9 e 10 anos quando fui para uma academia, muito bem estruturada, que era a Academia de Ballet Leda Iuqui, que era bailarina do Teatro Municipal. Lá eu fiz toda a minha formação. Entrei no segundo ano da escola, porque eu já tinha noções de balé. Toda a formação foi feita lá com basicamente uma professora, e depois eu peguei alguns professores que por lá passaram, como o Edmundo Carijó e a própria Leda Iuqui. Foram os professores que participaram dessa minha formação. Comecei a fazer parte do corpo de baile infantil, depois passei para o corpo de baile da academia e dançava bastante. Na época não havia festivais de dança como hoje, que dão bastante estímulo aos estudantes. Mas mesmo assim eu dançava bastante na academia, tinham os espetáculos de fim de ano, às vezes tinham espetáculos no meio do ano e dançávamos também em eventos da cidade. Eventos ao ar livre, com palcos montados em praças, em praias...  Foi assim a minha formação. Claro que, a essa altura, eu já tinha o sonho de entrar para o Teatro Municipal. Mas devo confessar que eu achava esse sonho extremamente difícil e até quase impossível. Os concursos públicos demoram a chegar, até hoje. E quando chegavam as alunas mais adiantadas da minha academia tentavam e às vezes não passavam, era muito difícil, tinha duas vagas, uma vaga. Quando eu já tinha completado a minha academia e entrado para a faculdade de Letras, surgiu uma oportunidade de eu ir para Paris, que na verdade era para eu estudar francês. Mas eu via nisso, claro, uma oportunidade de também me aperfeiçoar no balé. Eu havia, meses antes de viajar, tido um encontro na própria academia com uma professora chamada Yvonne Meyer, uma bailarina brasileira que fez carreira na Europa e era professora em Paris. Essa foi, então, a minha primeira direção ao chegar em Paris. Então a minha formação foi na Academia Leda Iuqui, mas eu tive essa oportunidade de estudar na França, onde eu fiquei na casa de familiares. Depois de dois meses e meio em Paris, fazendo meu curso na Sorbonne também, houve uma audição de balé com o Roland Petit. Lembrando que era uma época que não havia Internet, era o ano de 1974. Então eu fui fazer uma audição, estimulada pela própria Yvonne Meyer, que dizia que seria bom como um treino. E eu saí dessa audição com um contrato para a academia do Roland Petit. Eram oitenta bailarinos, foram sendo eliminados, no final ficaram três e eu era uma delas. E, além de ter saído com um contrato, eles me fizeram falar no telefone, para dar o recado, com Marseille, onde era a sede da academia no sul da França. Fui até a casa dos meus tios e contei o que tinha acontecido, até então ninguém sabia. Ele ficou preocupado, afinal eu estava ali sob os cuidados dele e tal. Foi uma negociação entre a família, eu tinha 18, 19 anos nessa época. Isso porque eu tinha ido para estudar três ou quatro meses. Acabei ficando dois anos e meio na Europa e dancei com o Roland Petit. Foi uma experiência maravilhosa, pois era uma academia super bem-conceituada, de um coreógrafo muito conhecido na época. Seria quase que como a segunda companhia na França, depois da Ópera de Paris. Era uma companhia que viajava muito, uma companhia internacional, não eram muitos bailarinos profissionais. Lá eu fiquei um ano e pouco. Eu estudei também na Escola Internacional de Dança Rossela Hightower, que foi importante na minha formação em dança porque tive contato com outras técnicas, como por exemplo, a técnica de Martha Graham, que eu nunca tinha estudado aqui. E eu fazia muitas aulas, era uma preparação intensa para bailarinos. E isso aconteceu entre o trabalho com Roland Petit e ir para uma companhia de dança na Inglaterra. Eu fui convidada por dois coreógrafos para uma companhia que estava sendo criada na Inglaterra. Eu achei que seria uma boa oportunidade, porque eu ainda era muito jovem e precisava ter uma formação mais sólida. E eu achei que, com essa companhia jovem e clássica, eu poderia ter uma boa oportunidade. Fui para a Inglaterra e, chegando lá, não consegui o visto de trabalho. Naquela época eles davam prioridade a países europeus vizinhos e eu era apenas uma jovem bailarina brasileira e iniciante. Eu acabei ficando mais seis meses em Londres, também me aperfeiçoando, fazendo outros cursos, e foi quando voltei para o Brasil. E resolvi tentar ser profissional aqui no meu país, onde até então não tinha sido. Quando eu cheguei aqui o Teatro Municipal estava fechado, isso era 1977. Isso foi uma certa decepção. Mas logo que eu cheguei, um mês e meio depois, me procuraram do Balé Guaíra de Curitiba, porque estavam precisando de uma bailarina para fazer o papel de Giselle. Seria uma grande oportunidade para mim, afinal nunca tinha feito um papel. O coreógrafo de lá já tinha me visto, sabia que eu trabalhava na França, já tinha me visto em aulas na academia da Tatiana Leskova. Eu tive que fazer um teste e passei. Foi uma grande alegria poder ir para Curitiba estrelar pela primeira vez uma produção como bailarina fazendo o meu primeiro papel em uma companhia que era jovem, o que era o Balé Guaíra dessa época. Foi então a minha primeira Giselle em 1977. Fiquei, primeiramente, quatro meses em Curitiba e voltei ao Rio de Janeiro. Mas depois Curitiba me chamou de novo e me convidaram para ficar com eles por mais dois anos de trabalho. Fiquei lá durante os anos de 1978 e 1979. Houve a mudança de diretor, que era o Hugo De lavalle, e depois mudou para o Eric Waldo. E, na mudança de direção de Eric Waldo para o outro que viria, Carlos Trincheiras, eu achei que era o momento de eu voltar para o Rio de Janeiro. Então eu passei a fazer vários espetáculos como convidada de Dalal Achcar, que conhecia meu trabalho no Teatro Guaíra. Eu já fazia vários espetáculos com ela, que criou “Cinderela” para mim. Ela criou três “pas de deux” lindos para um espetáculo chamado “Sonho de uma Noite de Carnaval”. O primeiro espetáculo que fizemos juntas foi o “Romeu e Julieta” que estreou aqui na praia de Botafogo, um grande e maravilhoso evento. Era “Romeu e Julieta” com música pop. Tinham uns bailarinos modernos, de jazz, que eram os narradores da história e nós, bailarinos clássicos, dançávamos a história. Foi uma experiência muito interessante. E assim mantive contato com Dalal Achcar. E em 1979, quando eu vim de Curitiba para o Rio de Janeiro, ela me convidou para fazer o meu primeiro “Quebra-Nozes”, estrelado pelo grande Fernando Bojones.  Foi a primeira vez que eu dancei o “Quebra-Nozes” na minha vida, já no Teatro Municipal, mas com a Companhia da Associação de Ballet do Rio de Janeiro. Nessa época eu fui contratada pela Associação, no final de 1979 e durante o ano de 1980 todo. Em 1981 surgiu a oportunidade de uma audição para o Teatro Municipal e eu me inscrevi. Era um sonho que estava chegando perto. E, como eu já tinha experiência fazendo muitos solos e alguns papéis, eu já ousei um pouco e me inscrevi para ser solista do Teatro Municipal. Fiz a audição em janeiro de 1981 e fui chamada já para ser primeira bailarina. Foi uma grande surpresa para mim, eu não sabia. A banca examinadora era a Márcia Haydée e Enrique Martines que era um coreógrafo do American Ballet Theatre e o responsável pela primeira produção desse momento, 1981, com o balé “Coppelia”. E eu estreei então como primeira bailarina do Teatro Municipal do Rio de Janeiro no balé “Coppelia” em abril ou maio de 1981. E isso foi a realização de um sonho, aquele sonho que eu achava impossível. E, curiosamente, quando eu entrei na Companhia a minha primeira professora ainda era bailarina do Municipal. E ela passou de professora, aquela que me ensinou os primeiros passos, a colega do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, que era a Luciana Bogdanish.  Bom, lá se vão 32 anos! Eu nunca imaginei que eu fosse ficar tanto tempo. São 32 anos de estrada, de casa e de muita presença no Teatro Municipal. Fiz praticamente todas as temporadas. No início eu só não participava de montagens que eram muito modernas. Mas cheguei a participar de alguns modernos também. Às vezes eu saía e voltava com algumas bolsas de estudo, mas nunca deixei de estar todos os anos dançando com o Teatro Municipal. Isso falo até para poder explicar, porque as pessoas sempre me perguntam porque eu sou tão conhecida, porque conhecem tanto o meu nome. Porque eu sempre dancei muito e tive um lar. Muitos bailarinos optam por mudar de companhia, no próprio Brasil ou mudando-se para o exterior. Muitos bailarinos brasileiros fazem isso, dançam aqui, depois vão para fora, depois voltam. E acaba não havendo uma continuidade. Foi uma opção minha de vida, de circunstância, de família, de casamento. Eu optei por ficar no Brasil. A verdade também é que eu participei de um momento de crescimento muito grande do balé no Rio de Janeiro, com toda essa reformulação do Teatro Municipal. Foi muito produtivo e bom para mim, uma jovem bailarina começando e aparecendo. Porque eu fazia grandes temporadas no Teatro Municipal. Apesar de ser antes da Internet, mas a gente tinha televisão, já havia um certo conhecimento de quem éramos nós, devido à divulgação. A gente fazia temporadas pelo Brasil e todos ficavam sabendo, etc. E a imprensa também sempre foi muito atenciosa e carinhosa com tudo que eu fui fazendo ao longo da minha carreira. E a verdade é que eu nunca cortei esse laço com o Teatro Municipal. Eu não só fui construindo a minha carreira no Teatro Municipal, como eu pude ter um público que me acompanhasse ao longo desses 32 anos. E, além disso, dancei por todo Brasil, onde tivesse condições de dançar. Eu sempre precisei de um palco, mesmo que não houvesse teatro. Eu dancei muito nesses 32 anos. Por esse motivo talvez eu tenha ficado bem conhecida na área da dança. Além disso, eu sempre tive o interesse de popularizar a dança clássica. Isso eu aprendi também com a Dalal Achcar. A maior parte dos meus espetáculos com ela foi feita ao ar livre, com música popular, ou com música mais moderna, com o intuito de popularizar o balé clássico. Fiz espetáculos ao ar livre com ela e também com a companhia do Teatro Municipal. E depois fiz muitos espetáculos meus mesmo ou como convidada, divulgando um pouco a dança do balé clássico. É claro que o balé sempre teve altos e baixos. Houve um momento muito bom da dança no Brasil, inclusive aqui no Rio de Janeiro. Tivemos momentos de muitas temporadas, alguns momentos menores. Houve momentos em que o Brasil passava por crises e nós, do Teatro Municipal não dançamos praticamente nada. Eu acho que nesses últimos trinta anos, apesar dos altos e baixos, eu acho que a dança teve um grande crescimento, não só de produção, mas também de bailarinos, na qualidade desses bailarinos. E não é só questão de sair do Brasil. Temos também excelentes professores aqui, cada vez mais se aperfeiçoando e exigindo mais dos alunos. Esses alunos estão se capacitando cedo e, ainda bem jovens, já estão aptos a ingressar numa companhia de balé em qualquer lugar do mundo. Os nossos bailarinos estão muito bem preparados. Podemos ver isso nos festivais, inclusive festivais internacionais. Os nossos jovens bailarinos brasileiros estão sempre entre os primeiros lugares, quando não tiram o primeiro lugar. Então a gente vê que o ensino é muito forte e muito rigoroso dentro da dança clássica. E houve, claro, um assédio do público maior. Estou me referindo ao Teatro Municipal do Rio de Janeiro, das nossas grandes produções. Houve um crescimento de público devido a produções muito bonitas. O público aqui do Rio de Janeiro gosta muito dos grandes clássicos. Eles nos prestigiam mais nos grandes clássicos do que quando a gente faz uma coisa mais contemporânea. Mas temos um público fiel sim. E eu acho que isso, claro, foi um trabalho de anos e anos. E quanto à popularização, eu acho que eu contribuí muito para que isso ocorresse. E agora acho que é a hora de passarmos esse cetro aos jovens que devem continuar com essa popularização. Foi muito trabalho para conseguir que o balé se aproximasse do povo, mas o trabalho tem que continuar, se não o povo de afasta do balé. O povo acaba deixando de conhecer os próprios artistas. Por isso que é tão importante que nós bailarinos em geral estejamos sempre nos palcos produzindo e mostrando nosso trabalho.

Quanto à formação fora do Brasil, você estudou fora, mas a sua formação básica foi aqui. Assim como a da Cecília foi feita aqui, a da Nora foi feita aqui, apesar de ela ter dançado fora. É uma coisa boa de saber. A gente pode até saber, mas o público de um modo geral precisa saber. 

Falando ainda sobre formação, nós podemos sim ter ótimos bailarinos só com os professores que temos aqui. É claro que, se você tem a oportunidade de fazer um curso fora, de se aperfeiçoar, isso é sempre bem-vindo. Mas uma coisa que é sempre importante dizer, falando de hoje, 2013: hoje nós temos bailarinos brasileiros importantíssimos, trabalhando em companhias importantíssimas, com primeiros bailarinos em companhias fora do Brasil, mas com muito pouco tempo de trabalho dentro do Brasil. Muitos bailarinos se formam a cada ano. Nós acabamos não conseguindo abarcar todos eles. Como eu disse, o Teatro Municipal tem pouquíssimas audições, pouquíssimos concursos públicos, e os bailarinos acabam saindo do país. Às vezes para ingressar em companhias até menores do que as daqui, porque precisam dançar. No balé, a juventude tem que ser aproveitada, enquanto ainda tem a técnica trabalhada para poder entrar nas companhias. Então acabamos perdendo, com a falta de campo de trabalho, grandes bailarinos. Uma outra questão que me instiga muito é... Hoje em dia temos muitos festivais de dança. Os nossos bailarinos adolescentes vão para esses concursos. Os prêmios desses concursos muitas vezes são prêmios em escolas renomadas. Nós, ou seja, o Brasil, preparamos muito bem esses jovens bailarinos, com 14, 15 anos. As escolas internacionais os vêem nesses concursos, oferecem bolsas nas suas escolas, que são Opera de Paris, Royal Ballet de Londres, Opera de Munique, entre outras escolas de grandes companhias. E convidam estes bailarinos quase prontos para cursar o seu último ano de escola. Claro que vão se aperfeiçoar, é muito bom para eles. Mas eles saem de lá não mais como bailarinos brasileiros, mas como um bailarino que curso a escola do Royal e etc. E todos os reconhecem como tal. Na verdade, a base foi dada no Brasil, pelos professores daqui. Eles tiveram um aperfeiçoamento! Então isso é uma questão. Estamos perdendo muitos dos nossos melhores artistas porque vão para escolas lá foram, cursam um ano apenas, depois são considerados bailarinos de outras escolas e acabam vinculando sua carreira à Europa, aos Estados Unidos. Então, eu vejo que hoje em dia temos grandes e excelentes bailarinos em potencial, que viram bailarinos lá fora depois de um ou dois anos. Precisamos pensar muito em como reverter essa questão. E mais uma vez entra o caso do campo de trabalho. E, hoje em dia, nós só temos o Theatro Municipal, que é o responsável pelos grandes clássicos, é a grande companhia clássica brasileira, de tradição, com anos e anos de trabalho, um teatro que tem 104 anos e é o responsável por manter, sobretudo, os balés do século XIX. A gente tem além, a companhia, que seria aquela que estaria indo junto com o Teatro Municipal do Rio de Janeiro, que é a São Paulo Companhia de Dança, que também se propõe em ser uma companhia clássica e deve ter uns quatro anos de vida, talvez. Até agora ainda não fizeram nenhum balé do século XIX, mas têm feito grandes clássicos do século XX, como muitos balés de Balanchine. É uma companhia de excelência, com jovens bailarinos promissores, apesar de ser muito menor do que a nossa. O resto todo no Brasil à fora são companhias contemporâneas. Algumas grandes, no sentido de terem muitos bailarinos. É o caso de Deborah Colker, do Grupo Corpo, Cisne Negro, que são companhias privadas conceituadas e que estão conseguindo sobreviver através de patrocínios e editais através do tempo. Temos também companhias contemporâneas pequenas que têm, às vezes, dois, três ou quatro elementos. Oito já seria uma companhia grande em termos de poder ser mantida. Porque não é fácil manter uma companhia de balé ou de dança.

Isso é muito importante, porque, realmente, vemos bailarinos aqui ficando muito bons muito cedo. E isso é diferente da nossa época. Claro que têm exceções, mas são exceções.


Como era a rotina, já que você passou por vários estados? Sempre foi a mesma ou houve mudanças?

A rotina do Teatro Municipal, de entrei em 1981, mudou um pouco através desses 32 anos. Mudaram os locais de trabalho também. Eu comecei a trabalhar no Teatro Villa-Lobos, sede do balé do Teatro Municipal na época. A rotina eram oito horas diárias, de segunda a sábado. Sábado trabalhávamos até uma ou duas da tarde, eram quatro horas de trabalho. Mas de segunda a sexta era de nove às seis, com uma hora de almoço, acho que era isso. Depois passou a ser de dez às seis, oito horas de trabalho. Nós tínhamos muitos bailarinos que vinham de Niterói, era complicado chegar muito cedo, por isso o horário mudou para dez horas da manhã até seis da tarde. Até que houve uma reformulação e estipularam que a gente tinha que trabalhar seis horas. Então mudamos um pouco a rotina. A rotina do Teatro Municipal, depois de um tempo e até hoje, é a de seis horas de trabalho, cinco dias na semana. Sendo que uma hora e meia de aula de balé clássico no começo do dia. E depois os diferentes ensaios, dependendo da temporada que estiver ensaiando.  Pode trabalhar das dez às quatro da tarde, ou pode ter um intervalo. Você pode ser chamado apenas para uma parte do balé. Então às vezes dá um pouco menos de seis horas de trabalho. Mas você tem que estar disponível. E a aula é fundamental e, em 32 anos que eu estive presente, nunca deixamos de ter aulas obrigatórias para todos os bailarinos. O nosso instrumento é o nosso preparo técnico. Outra coisa que pode ter mudado ao longo do tempo foram as aulas que tivemos de outros estudos além do balé clássico, de acordo com os professores convidados da época. Às vezes tinha aula de algum trabalho característico de acordo com a temporada. Tivemos aula de dança espanhola, tivemos aulas com coreógrafos contemporâneos, etc. Isso, algo longo do tempo, sempre tivemos. Nós sempre fomos uma companhia muito grande. Quando eu entrei, acho que nós éramos uns 40 ou 50 bailarinos. E isso foi aumentando. Já chegamos a 60, uma vez quando nos separamos já éramos 80. Tivemos uma temporada em que éramos quase 120 bailarinos. Claro que nem todos dançam sempre. Desses alguns são cortados, às vezes tem grávidas, uns machucados, alguns só fazem papel de caráter. Então, na verdade, quem dança mesmo são umas 60 ou 70 pessoas, que participam das temporadas. Sempre fomos divididos em três aulas. Duas aulas de moças e uma aula de rapazes. Eu acho que em uma época tivemos duas aulas de moças e duas aulas de rapazes, tínhamos quatro aulas. Agora, de um tempo para cá, ficamos divididos em duas de moças e uma de rapazes. E mudamos ao longo desses 32 anos. Depois do Villa-Lobos nós voltamos ao Teatro Municipal. Depois o Teatro Municipal entrou em uma outra reforma e o Corpo de Baile foi para a Escola de Dança do Teatro Municipal que era na Lapa. Como precisávamos das dependências da Escola, eles tiveram que mudar um pouco seus horários também. Ficamos ali enquanto era construído o prédio anexo atrás do Teatro Municipal. Lá construíram duas grandes salas, além de uma sala menor, que era uma parte da antiga sala do Corpo de Baile na década de 60, 70, por aí. Com tantas obras no Teatro Municipal, foram modificando a tal sala famosa do Teatro, e ficamos com essa sala pequena, que ainda usamos em alguns ensaios. Tivemos muitos diferentes diretores nesses 32 anos. Eu passei por vários diretores, não sei se vou conseguir nomear todos. Eu passei por Dalal Achcar, Jean Yves Lormeau, Tatiana Leskova, Dennis Gray. Depois nós tivemos uma fase com bailarinos que foram diretores, como Marcelo Misailidis, Hélio Bejani, Fauzi Mansur.... Quem mais? Quando eu era criança eu participei do Balé “Cinderela”, eu acho que a Dalal foi diretora, nessa época. E aí chamaram as crianças para participar. E eu fui o reloginho da Cinderela. Até hoje eu me lembro! E a gente revezava porque eram temporadas longas. Fizemos a coreografia de “Cinderela” para o Corpo de Baile. Eu me senti importantíssima só de pisar no palco do Teatro Municipal. Mas na época a Cinderela era a Sonia Vilela, que era onipresente. Então a minha resolução é a de, sempre que eu puder estar perto das crianças, dos adolescentes. Conversar ou falar alguma coisa, nem que seja mostrar um diário de fotos. Porque o meu sonho, quando eu era criança, era poder estar sempre perto de uma bailarina profissional. E eu não tinha essa oportunidade. Porque na minha época, se uma criança subisse no palco, a professora ia lá e tirava a criança do palco. Eu queria chegar perto da bailarina e não podia! E até hoje, por exemplo, no “Quebra-Nozes”, os ratinhos entram, a professora tira, os bombons entram, a professora tira. Elas gostam tanto de chegar perto, de falar... Mas isso a gente vai aprendendo com a própria vida.

Nesses 32 anos, como você disse, houve períodos piores e períodos melhores. Esses períodos melhores se devem a quê? E os piores?

Os melhores períodos no Teatro Municipal foram quando tivemos temporadas pródigas! E os piores eram quando não dançávamos ou quando ensaiava muito e dançava quatro dias... isso é muito pouco, era horrível. Eu considero um dos melhores períodos logo que eu entrei, em 1981. Desse ano até 1987 tivemos um período áureo. Nesse momento houve uma renovação do Teatro Municipal. Houve uma restauração até dos bailarinos que já estavam lá há muito tempo, dançavam pouco. Houve também um aumento no Corpo de Baile, acho que eles eram cerca de 40 ou 50 bailarinos. E fizemos grandes temporadas, como “Coppelia”, “Giselle”, “Dom Quixote”, “Romeu e Julieta”, “Sagração da Primavera”, “Quebra-Nozes”. Eram grandes temporadas de grandes clássicos e muitas estrelas convidadas, masculinas ou femininas. Isso deu não só uma movimentada no público carioca, que vinha ver várias vezes com estrelas diferentes, como ajudou a mim, por exemplo. Eu era uma bailarina iniciante e pude observar, não só as nossas bailarinas brasileiras que tinham muito mais experiência do que eu, como as grandes estrelas que vinham de fora. Eram inúmeros bailarinos estrangeiros, porque nessa época, em 1981, nós não tínhamos primeiros bailarinos. Os primeiros bailarinos conhecidos do Teatro Municipal já não mais dançavam. Então tínhamos uma lacuna aí e os bailarinos acabavam vindo de fora. Quando eu entrei as primeiras bailarinas eram Nora Esteves, Alice Colino e Cristina Martinelli. Elas já eram grandes estrelas com carreiras reconhecidas. Entrei eu nesse primeiro momento, depois, mais tarde, uma bailarina que já era da companhia, primeira bailarina. E logo um ou dois anos depois que eu entrei chegou a Cecília Kerche, que, alguns anos depois, também passou a primeira bailarina. Mas elas eram grandes referências para a gente, e depois as grandes estrelas que vinham dançar aqui. E eu tive a oportunidade também de dançar com Márcia Haydée. Para mim ela era uma grande estrela e uma grande referência. Não só por ser brasileira, mas por ser a artista que era. A sua maneira de representar, de interpretar... Então, voltando, o lado bom para mim era sempre que tínhamos grandes espetáculos. Depois tivemos uma época também de espetáculos não muito grandes. Tivemos uma época de Brasil. Quase não dançamos. Em uma das épocas tivemos inclusive a Dalal Achcar na presidência da Fundação, e ela dizia: “Se não temos condição de mostrar o que temos de melhor, é melhor não fazer”. Fazer qualquer coisa não era o ideal.  Devíamos fazer o que sabíamos fazer com excelência. Foi um período muito difícil de dinheiro para a cultura no país. Então os piores momentos foram aqueles que não dançamos muito. Havia momentos em que tínhamos menos espetáculos tão interessantes, mas aí tínhamos sempre alguns que salvavam. Por exemplo, eu, tarde na minha carreira, já em 1990 (tarde porque eu já era bailarina do Teatro há dez anos) eu fiz La Sylphide”, que eu considero um balé que foi muito bom para mim. É um balé difícil, de muita tradição, com a coreografia e remontagem do Pierre Lacotte, e foi um grande balé. Isso no ano do Plano Collor, do dinheiro preso. Ficamos meses sem dançar, a produção não podia ser feita porque o dinheiro do Teatro ficou preso também. Ficamos alguns dias nessa angústia até que estreou. Foi um balé que fez muito sucesso. Depois conseguimos viajar pelo Brasil com esse balé, e com duas estrelas da Ópera de Paris: o Manuel Legris e a Elisabeth Platel. Tínhamos sempre altos e baixos, mas acabava conseguindo realizar o trabalho. Tenho grandes e ótimas recordações do Teatro Municipal.

Você lembra de alguma curiosidade dessas épocas, que são várias, que você passou no Teatro? É interessante essa seleção que cada uma faz do que é curioso na sua trajetória.

 Curiosidades da minha época do Teatro Municipal? Nossa! Tem muitas, daria até um livro. Primeiro eu lembro de muito ensaio. Eu acho que ensaiávamos mais do que hoje. Apesar de as horas serem as mesmas. Eu não entendo. Eu não sei se é porque eu era mais jovem e achava que eu não sabia tanto. Eu não sei. Me lembro de muito ensaio e muita repetição. Hoje em dia a gente ensaia bastante, claro, mas eu não acho que a gente repita tanto. Eu fiz uma temporada com a Tatiana Leskova que ela me fazia repetir, repetir, repetir.... Quando ninguém aguentava mais ela fazia repetir de novo. E agora em 2013 foi um prazer, depois de tantos anos, ensaiar com a Dona Tânia. Foi aquela coisa, novamente, de muitos ensaios. É gostoso, bailarino gosta disso, de estar cansado de tanto ensaio. Eu tenho muitas coisas curiosas! Por exemplo, eu conheci meu marido no Teatro Municipal. Ele era um bailarino que veio dançar aqui e foi por acaso. Na realidade, ele estava de férias no Brasil, ele é inglês. E foi no Teatro Municipal procurar um professor amigo dele que deveria estar dando aula para a gente, era o Rubens Echeveria. Ele chegou lá, o Rubens ainda não estava. Aí disseram para ele voltar depois de dois ou três dias. Ele voltou, o Rubens chamou ele para fazer umas aulas, como ele estava de férias no Brasil ele começou a fazer algumas. Na verdade, ele acabou encontrando, por acaso no Teatro, com um coreógrafo que ele já tinha trabalhado chamado Norbert Vesak.E o Norbert já tinha falado uma semana antes com Dalal Achcar sobre o Graham. Ele disse que a única pessoa que ele via fazendo a “Sagração da Primavera” dele era esse bailarino inglês que morava na Escócia, que era o Graham Bart. E, por acaso, ele dá de cara nos corredores do Teatro com o Graham! Ele conversa com Dalal Achcar e ela o contrata no ano seguinte. Ele saiu para jantar comigo também, conversa vai, conversa vem, acabamos namorando. Graham, três anos depois, com o fim de seu contrato com o Teatro, vai embora. E aí teria terminado o nosso namoro. Mas o destino nos pregou várias peças, namoramos dois anos à distância, ele morando nos Estados Unidos e eu morando no Brasil. Até que casamos. Então, conheci meu marido no Teatro. Casamos aqui no Rio de Janeiro. E ele criou um papel aqui num balé super brasileiro que foi “Gabriela”, com coreografia do Gilberto Motta. Era o Nacib. Era um balé muito legal, que eu não dançava, tinham outras Gabrielas. Então isso foi um fato curioso. São tantas histórias! Tínhamos que juntar uns bailarinos para lembrarmos umas histórias engraçadas. Bom, mais uma recordação minha foi, por exemplo. A gente ia fazer um ensaio geral porque não podíamos estrear devido ao dinheiro preso. Mas, como o coreógrafo estava no Brasil e o dinheiro acabou ficando preso naquele momento, ele ficou até o dia do ensaio geral. Tinham pessoas que não conheciam o Rio de Janeiro e não conseguiram chegar no Teatro Municipal. Os bailarinos já tinham chegado mais cedo e, na época, ele não conseguiu chegar, ficou no meio do caminho e ligou para o Teatro. E acabaram dispensando os bailarinos do Corpo de Baile e o coreógrafo ficou só com os principais. Tínhamos certeza que tudo ia dar certo, para ensaiar a iluminação, etc. Ensaiamos com fita gravada. E eu e Paulo Rodrigues fazendo 
“La Sylphide” inteiro até as onze horas da noite. E o Rio de Janeiro em dilúvio e não sabíamos. Estava achando estranho porque bailarinos começaram a voltar e estavam na plateia. E a diretora, que era a Tatiana Leskova, perguntou porque eles não iam embora. E eles contaram que não dava para sair porque a cidade estava toda alagada. Tivemos que dormir no Theatro Municipal. E vários bailarinos e pessoas que estavam ali, incluindo Tatiana Leskova, ficamos até sete horas da manhã. Eu dormi na sala de aula, colocamos uns colchonetes, as nossas toalhas de banho, e lá ficamos a madrugada toda porque não tinha como sair do Teatro Municipal. Então isso foi um fato inusitado também. E foi uma noite muito alegre, Dona Tânia falou que via fantasmas no Teatro, coisas muito engraçadas! E acabou passando. Em “La Sylphide”, já dançando, um dia eu entro e, na primeira cena do segundo ato, que é uma cena séria, só os bailarinos, que eram Paulo Rodrigues e eu, estávamos dançando só eu e ele, e de repente percebo que o público ri. Eu fiquei sem entender, olhava para o Paulo Rodrigues e tentava entender o que estava acontecendo. Daqui a pouco eu vejo uma lata de tinta que rolava pelo palco do Teatro Municipal. As bailarinas que voavam (tem voos em “La Sylphide”) tinham o pé preso por um fio de nylon para o pé poder ficar mais alto, porque eles tinham que ficar a 180º., mas o fio de nylon era enrolado numa lata de tinta, um pouco precariamente. Então, não sei o que aconteceu, a bailarina deve ter feito algum movimento sem querer, a pessoa perdeu a lata da mão. Porque eles enrolavam e desenrolavam o fio da lata enquanto elas voavam. E o negócio caiu. Então ele começou a puxar o fio para trazer de volta a lata e ela desenrolava e ia descendo. Então todo mundo começou a ficar aflito achando que ia cair na orquestra. Só que isso acontecia atrás de mim e do Paulo. Enfim, segundos de agonia, mas depois os técnicos conseguiram resgatar essa lata. Porque se não ela podia realmente cair no fosso da orquestra. E a gente lá sem entender porque o público ria. Outra coisa me aconteceu, foi dançando "La fille mal gardée" com o Jean-Yves Lormeau. Aliás, com ele eu tive várias coisas engraçadas. Ficávamos no último ato numa casa fechada e, na cena final, eu tinha que correr e esconder o meu namorado. A Lisi, que é a personagem, está dentro de casa trancada com o namorado, e quando percebe que a mãe vai chegar, ela abre a porta do quarto dela, joga o namorado dentro e volta fingindo que está trabalhando, varrendo, etc., esperando a mãe. E qual é a minha surpresa? Porque quando eu chego correndo é tudo feito dentro da música. É o tempo de correr, pegar a vassoura e a mãe entra. Então eu fui lá em cima correndo para abrir a porta do quarto e estava trancada! E eu pensei: “O que eu vou fazer com esse cara aqui?!” O resto era tudo pintura de porta, de janela, não era de verdade. A única porta dentro do telão e eu não conseguia abrir. Me deu um pânico ali. Eu pensei: “Vai acabar toda a história. A mãe vai chegar, ele vai estar lá e ela vai ver”. E aí, de repente, eu vi que tinha um preguinho para a porta não ficar abrindo, porque o cenário subia. Era um preguinho segurando a tela. Aí eu consegui abaixar esse preguinho e a porta abriu. Foi no laço do laço do laço! Essas coisas que acontecem de contrarregra em que o público acaba não percebendo. Fora a correria de trocas de roupas, roupas que arrebentam.... Eu tive até poucos casos assim porque eu muito cuidadosa. Mas teve uma vez que eu levantei o braço para fazer um "ponche" arabesque e a alça do “tchu tchu” caiu. Eu tive que dançar sem uma alça. Eu acho que foi “Quebra-Nozes”. Eu tive que dançar todo o final do pas de deux sem uma alça. Mas eu tinha barbatana, então segurava bem, não ficou nada de fora.

Dentro de uma companhia, várias coisas são envolvidas para que a companhia dê certo. Mas as pessoas mais ligadas aos bailarinos, as que lidam com eles todos os dias são os pianistas. Você lembra de pianistas que tocaram para você?

Eu acho que eu lembro de bastantes pianistas do Teatro Municipal. Desde que eu entrei eu me lembro da Ilka (Jardim), da dona Ieda e me lembro de um senhorzinho... Como se chamava? Ele já era do Teatro Municipal há muito tempo quando eu entrei. É um excelente pianista, que tocava para ensaio também. E temos também esses que já estão. Muitos deles entraram junto comigo. Tem o Valdemar Gonçalves, a Gladys Rodrigues, Itajara Dias e Gelton Galvão. Esses são os que tocam para a gente há muitos anos. Me lembro de outros também, como a Inês, que era a única. Tinha uma outra estrangeira que tocou um tempo para a gente. E alguns pianistas tiveram realmente muito contato com a gente, porque eles tocam nas aulas, então estão sempre ali, e tocam nos ensaios também. Isso é uma coisa que eu acho fundamental para uma companhia clássica. Tem que ter um pianista que toque para ensaios. O ensaio fica mais dinâmico. Como dançamos com orquestra, é muito melhor ensaiar com pianista. Cada dia tem um andamento um pouquinho diferente, por mais que tenha que seguir um determinado padrão. Mas é isso que acontece com a orquestra também. Nunca vai ser completamente igual, como um CD. E acabamos nos acostumando com aquela marcação sempre igual do CD, então é muito bom ter pianista. Acho que nós tivemos grandes pianistas que trabalharam bem próximos a nós, além desses que eu falei agora que ainda estão conosco em aulas e ensaios. Eu até fiz um livro e, em um dos livros eu tenho um CD junto com Valdemar Gonçalves. Eu criei uma aula e ele criou músicas inéditas. Nós colocamos no “Ana Botafogo – Na ponta dos pés”, que vem com um CD para aula. O pianista faz parte da aula. Fazer aula com piano faz toda diferente. É muito bom ter a tecnologia, mas faz muita diferença quando a gente tem um pianista e um piano de verdade.

Você leciona ou já lecionou balé?

Quando morei em Curitiba lecionei. Enquanto era bailarina no Teatro Guaíra foi criada uma escola de uma amiga e trabalhei com eles logo. Lecionei durante seis meses. Trabalhava no Teatro Guaíra até quatro horas da tarde, às cinco eu dava aula e à noite eu ia para a faculdade. Então era um dia intenso de trabalho e de estudo. Foi a única vez que eu lecionei regularmente, durante seis meses. E depois a minha vida de bailarina ficou muito intensa no Theatro Municipal e parei de lecionar. Comecei a viajar muito também e tive uma carreira fora do Theatro Municipal. Não tinha como dar aulas, além do mais ficava exausta com meu dia de trabalho. Para dar aula você precisa estar presente, e eu viajava muito. Então até hoje, em 32 anos, eu nunca tive uma turma. Já dei aulas esporádicas, já dei cursos, mas nunca lecionei regularmente, fora esses seis meses em Curitiba.

Você se lembra de alguns coreógrafos com quem você trabalhou? Alguns que vieram de fora, internacionais...

Lembro de alguns, mas são muitos... Eu lembro do Pierre Lacotte, Norbert Vesak, Robert de La Rose, Renato Magalhães. Nas montagens dos balés do (John) Cranko, a Georgette... não me lembro o sobrenome. Enrique Martinez foi com “Coppelia”. Trabalhamos juntos logo no começo e ele foi muito importante na minha carreira porque foi quem me fez o primeiro convite internacional, para dançar o balé “Coppelia” com o Fernando Bujones na Venezuela, em Caracas. Depois eu tive uma indicação dele para dançar em Roma. Era com a Ópera de Roma, mas foi ao ar livre, nas pernas de Caracala. Dancei também o balé “Coppelia” com o Fernando Bujones. Teve um coreógrafo que eu adorei trabalhar, mas acabei não dançando nenhum balé dele. Tivemos muitos coreógrafos, sobretudo coreógrafos contemporâneos que vieram trabalhar aqui com a Companhia. Nem todos eles eu participei, mas eles estiveram com a Companhia

Você já remontou algum balé?

Não, nunca remontei nenhum balé.

Dentro do Theatro Municipal, você já exerceu alguma outra função, sem ser a de bailarina?


Na realidade não. Nesses 32 anos eu fui bailarina. Às vezes as pessoas me procuram, e parece que eu sou a diretora do balé! Até quando eu viajo com a Companhia, para algumas pessoas parece que eu que mando nos bailarinos. Tenho que lembrar -  “Olha, eu sou apenas uma bailarina”. Eu exerci intensamente o meu papel de bailarina, 24 horas por dia, cumprindo todos os meus horários no Theatro Municipal e vivenciando o meu papel de bailarina fora do Teatro Municipal. Porque, para eu estar presente no dia seguinte no Teatro Municipal, cedo ou tarde, em ensaios, o meu dia anterior é pensado em função de ser bailarina. Sempre me dediquei à minha carreira de bailarina intensamente. Esses 32 anos no Teatro Municipal foram anos inteiramente dedicados à minha carreira de bailarina. Por isso mesmo não dei aula.  Há uns dois anos atrás, o diretor da época, que agora eu não me lembro, me pediu que eu trabalhasse com algumas primeiras-bailarinas o “Quebra-Nozes”. Focando em algumas variações. Mas foi só, nem trabalhei o tempo todo. Na época já estava dançando muito e acabei não fazendo, mas ajudei. Nunca fui ensaiadora oficial, nunca fui remontadora. Quando muito, principalmente nessa fase atual, eu atuo como uma conselheira. Mas eu nunca tive outra participação efetiva sem ser bailarina, 24 horas por dia.

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