Ana Botafogo
Nasci Ana Maria Botafogo
Gonçalves Fonseca, no dia 9 de julho. Virei Ana Botafogo na minha adolescência,
que na verdade é meu próprio nome. Minha professora disse que bailarina não
podia ter nome grande, até para poder colocar no programa. Exigia que suas bailarinas
só tivessem dois nomes. E eu adotei esse nome pelos meus 12 ou 13 anos, e esse
nome me seguiu por toda minha carreira. Naquela época eu nem sabia que eu seria
bailarina profissional. Eu aprendi balé aqui no Rio de Janeiro, eu sou carioca,
nasci e morei praticamente a minha vida toda na Urca. Do lado da minha casa
tinha um conservatório de música, chamava-se Conservatório de Música da Urca.
Lá eu comecei uma iniciação musical, fazia parte de uma bandinha junto com meu irmão.
E lá eu comecei a fazer aulas de balé com uma bailarina do Teatro
Municipal do Rio de Janeiro chamada Luciana Bogdanish. Minha mãe, que era
encantada por balé e já tinha estudado um pouco, me levou e eu logo me
encantei. A professora também achou que eu já tinha uma certa musicalidade,
ajudada pela iniciação musical e acabou sendo uma parceria muito boa. Começou
como uma brincadeira de criança. Apesar de eu estar muito encantada e ter sido
muito bem ensinada e de ter uma base muito boa, eu via como brincadeira.
Adorava dançar! Eu tinha entre 9 e 10 anos quando fui para uma academia, muito
bem estruturada, que era a Academia de Ballet Leda Iuqui, que era bailarina do
Teatro Municipal. Lá eu fiz toda a minha formação. Entrei no segundo ano da
escola, porque eu já tinha noções de balé. Toda a formação foi feita lá com
basicamente uma professora, e depois eu peguei alguns professores que por lá
passaram, como o Edmundo Carijó e a própria Leda Iuqui. Foram os
professores que participaram dessa minha formação. Comecei a fazer parte do
corpo de baile infantil, depois passei para o corpo de baile da academia e
dançava bastante. Na época não havia festivais de dança como hoje, que dão
bastante estímulo aos estudantes. Mas mesmo assim eu dançava bastante na
academia, tinham os espetáculos de fim de ano, às vezes tinham espetáculos no
meio do ano e dançávamos também em eventos da cidade. Eventos ao ar livre, com
palcos montados em praças, em praias... Foi assim a minha formação. Claro
que, a essa altura, eu já tinha o sonho de entrar para o Teatro Municipal. Mas
devo confessar que eu achava esse sonho extremamente difícil e até quase
impossível. Os concursos públicos demoram a chegar, até hoje. E quando chegavam
as alunas mais adiantadas da minha academia tentavam e às vezes não passavam, era
muito difícil, tinha duas vagas, uma vaga. Quando eu já tinha completado a
minha academia e entrado para a faculdade de Letras, surgiu uma oportunidade de
eu ir para Paris, que na verdade era para eu estudar francês. Mas eu via nisso,
claro, uma oportunidade de também me aperfeiçoar no balé. Eu havia, meses antes
de viajar, tido um encontro na própria academia com uma professora chamada
Yvonne Meyer, uma bailarina brasileira que fez carreira na Europa e era
professora em Paris. Essa foi, então, a minha primeira direção ao chegar em
Paris. Então a minha formação foi na Academia Leda Iuqui, mas eu tive essa
oportunidade de estudar na França, onde eu fiquei na casa de familiares. Depois
de dois meses e meio em Paris, fazendo meu curso na Sorbonne também, houve uma
audição de balé com o Roland Petit. Lembrando que era uma época que não havia
Internet, era o ano de 1974. Então eu fui fazer uma audição, estimulada pela
própria Yvonne Meyer, que dizia que seria bom como um treino. E eu saí dessa
audição com um contrato para a academia do Roland Petit. Eram oitenta
bailarinos, foram sendo eliminados, no final ficaram três e eu era uma delas.
E, além de ter saído com um contrato, eles me fizeram falar no telefone, para
dar o recado, com Marseille, onde era a sede da academia no sul da França. Fui
até a casa dos meus tios e contei o que tinha acontecido, até então ninguém
sabia. Ele ficou preocupado, afinal eu estava ali sob os cuidados dele e tal.
Foi uma negociação entre a família, eu tinha 18, 19 anos nessa época. Isso
porque eu tinha ido para estudar três ou quatro meses. Acabei ficando dois anos
e meio na Europa e dancei com o Roland Petit. Foi uma experiência maravilhosa,
pois era uma academia super bem-conceituada, de um coreógrafo muito conhecido
na época. Seria quase que como a segunda companhia na França, depois da Ópera
de Paris. Era uma companhia que viajava muito, uma companhia internacional, não
eram muitos bailarinos profissionais. Lá eu fiquei um ano e pouco. Eu estudei
também na Escola Internacional de Dança Rossela Hightower, que foi importante
na minha formação em dança porque tive contato com outras técnicas, como por
exemplo, a técnica de Martha Graham, que eu nunca tinha estudado aqui. E eu
fazia muitas aulas, era uma preparação intensa para bailarinos. E isso
aconteceu entre o trabalho com Roland Petit e ir para uma companhia de dança na
Inglaterra. Eu fui convidada por dois coreógrafos para uma companhia que estava
sendo criada na Inglaterra. Eu achei que seria uma boa oportunidade, porque eu
ainda era muito jovem e precisava ter uma formação mais sólida. E eu achei que,
com essa companhia jovem e clássica, eu poderia ter uma boa oportunidade. Fui
para a Inglaterra e, chegando lá, não consegui o visto de trabalho. Naquela
época eles davam prioridade a países europeus vizinhos e eu era apenas uma
jovem bailarina brasileira e iniciante. Eu acabei ficando mais seis meses em
Londres, também me aperfeiçoando, fazendo outros cursos, e foi quando voltei
para o Brasil. E resolvi tentar ser profissional aqui no meu país, onde até
então não tinha sido. Quando eu cheguei aqui o Teatro Municipal estava fechado,
isso era 1977. Isso foi uma certa decepção. Mas logo que eu cheguei, um mês e
meio depois, me procuraram do Balé Guaíra de Curitiba, porque estavam precisando
de uma bailarina para fazer o papel de Giselle. Seria uma grande oportunidade
para mim, afinal nunca tinha feito um papel. O coreógrafo de lá já tinha me
visto, sabia que eu trabalhava na França, já tinha me visto em aulas na
academia da Tatiana Leskova. Eu tive que fazer um teste e passei. Foi uma
grande alegria poder ir para Curitiba estrelar pela primeira vez uma produção
como bailarina fazendo o meu primeiro papel em uma companhia que era jovem, o
que era o Balé Guaíra dessa época. Foi então a minha primeira Giselle em 1977.
Fiquei, primeiramente, quatro meses em Curitiba e voltei ao Rio de Janeiro. Mas
depois Curitiba me chamou de novo e me convidaram para ficar com eles por mais
dois anos de trabalho. Fiquei lá durante os anos de 1978 e 1979. Houve a
mudança de diretor, que era o Hugo De lavalle, e depois mudou para o Eric
Waldo. E, na mudança de direção de Eric Waldo para o outro que viria, Carlos
Trincheiras, eu achei que era o momento de eu voltar para o Rio de Janeiro.
Então eu passei a fazer vários espetáculos como convidada de Dalal Achcar, que
conhecia meu trabalho no Teatro Guaíra. Eu já fazia vários espetáculos com ela,
que criou “Cinderela” para mim. Ela criou três “pas de deux” lindos para um
espetáculo chamado “Sonho de uma Noite de Carnaval”. O primeiro espetáculo que
fizemos juntas foi o “Romeu e Julieta” que estreou aqui na praia de Botafogo,
um grande e maravilhoso evento. Era “Romeu e Julieta” com música pop. Tinham
uns bailarinos modernos, de jazz, que eram os narradores da história e nós,
bailarinos clássicos, dançávamos a história. Foi uma experiência muito
interessante. E assim mantive contato com Dalal Achcar. E em 1979, quando eu
vim de Curitiba para o Rio de Janeiro, ela me convidou para fazer o meu
primeiro “Quebra-Nozes”, estrelado pelo grande Fernando Bojones. Foi
a primeira vez que eu dancei o “Quebra-Nozes” na minha vida, já no Teatro
Municipal, mas com a Companhia da Associação de Ballet do Rio de Janeiro. Nessa
época eu fui contratada pela Associação, no final de 1979 e durante o ano de
1980 todo. Em 1981 surgiu a oportunidade de uma audição para o Teatro Municipal
e eu me inscrevi. Era um sonho que estava chegando perto. E, como eu já tinha
experiência fazendo muitos solos e alguns papéis, eu já ousei um pouco e me
inscrevi para ser solista do Teatro Municipal. Fiz a audição em janeiro de 1981
e fui chamada já para ser primeira bailarina. Foi uma grande surpresa para mim,
eu não sabia. A banca examinadora era a Márcia Haydée e Enrique
Martines que era um coreógrafo do American Ballet Theatre e o responsável
pela primeira produção desse momento, 1981, com o balé “Coppelia”. E eu estreei
então como primeira bailarina do Teatro Municipal do Rio de Janeiro no balé
“Coppelia” em abril ou maio de 1981. E isso foi a realização de um sonho,
aquele sonho que eu achava impossível. E, curiosamente, quando eu entrei na
Companhia a minha primeira professora ainda era bailarina do Municipal. E ela
passou de professora, aquela que me ensinou os primeiros passos, a colega do
Teatro Municipal do Rio de Janeiro, que era a Luciana
Bogdanish. Bom, lá se vão 32 anos! Eu nunca imaginei que eu fosse
ficar tanto tempo. São 32 anos de estrada, de casa e de muita presença no
Teatro Municipal. Fiz praticamente todas as temporadas. No início eu só não participava
de montagens que eram muito modernas. Mas cheguei a participar de alguns
modernos também. Às vezes eu saía e voltava com algumas bolsas de estudo, mas
nunca deixei de estar todos os anos dançando com o Teatro Municipal. Isso falo
até para poder explicar, porque as pessoas sempre me perguntam porque eu sou
tão conhecida, porque conhecem tanto o meu nome. Porque eu sempre dancei muito
e tive um lar. Muitos bailarinos optam por mudar de companhia, no próprio
Brasil ou mudando-se para o exterior. Muitos bailarinos brasileiros fazem isso,
dançam aqui, depois vão para fora, depois voltam. E acaba não havendo uma
continuidade. Foi uma opção minha de vida, de circunstância, de família, de
casamento. Eu optei por ficar no Brasil. A verdade também é que eu participei
de um momento de crescimento muito grande do balé no Rio de Janeiro, com toda
essa reformulação do Teatro Municipal. Foi muito produtivo e bom para mim, uma
jovem bailarina começando e aparecendo. Porque eu fazia grandes temporadas no
Teatro Municipal. Apesar de ser antes da Internet, mas a gente tinha televisão,
já havia um certo conhecimento de quem éramos nós, devido à divulgação. A gente
fazia temporadas pelo Brasil e todos ficavam sabendo, etc. E a imprensa também
sempre foi muito atenciosa e carinhosa com tudo que eu fui fazendo ao longo da
minha carreira. E a verdade é que eu nunca cortei esse laço com o Teatro
Municipal. Eu não só fui construindo a minha carreira no Teatro Municipal, como
eu pude ter um público que me acompanhasse ao longo desses 32 anos. E, além
disso, dancei por todo Brasil, onde tivesse condições de dançar. Eu sempre
precisei de um palco, mesmo que não houvesse teatro. Eu dancei muito nesses 32
anos. Por esse motivo talvez eu tenha ficado bem conhecida na área da dança.
Além disso, eu sempre tive o interesse de popularizar a dança clássica. Isso eu
aprendi também com a Dalal Achcar. A maior parte dos meus espetáculos com ela
foi feita ao ar livre, com música popular, ou com música mais moderna, com o
intuito de popularizar o balé clássico. Fiz espetáculos ao ar livre com ela e
também com a companhia do Teatro Municipal. E depois fiz muitos espetáculos
meus mesmo ou como convidada, divulgando um pouco a dança do balé clássico. É
claro que o balé sempre teve altos e baixos. Houve um momento muito bom da
dança no Brasil, inclusive aqui no Rio de Janeiro. Tivemos momentos de muitas
temporadas, alguns momentos menores. Houve momentos em que o Brasil passava por
crises e nós, do Teatro Municipal não dançamos praticamente nada. Eu acho que
nesses últimos trinta anos, apesar dos altos e baixos, eu acho que a dança teve
um grande crescimento, não só de produção, mas também de bailarinos, na
qualidade desses bailarinos. E não é só questão de sair do Brasil. Temos também
excelentes professores aqui, cada vez mais se aperfeiçoando e exigindo mais dos
alunos. Esses alunos estão se capacitando cedo e, ainda bem jovens, já estão
aptos a ingressar numa companhia de balé em qualquer lugar do mundo. Os nossos
bailarinos estão muito bem preparados. Podemos ver isso nos festivais,
inclusive festivais internacionais. Os nossos jovens bailarinos brasileiros
estão sempre entre os primeiros lugares, quando não tiram o primeiro lugar.
Então a gente vê que o ensino é muito forte e muito rigoroso dentro da dança
clássica. E houve, claro, um assédio do público maior. Estou me referindo ao
Teatro Municipal do Rio de Janeiro, das nossas grandes produções. Houve um
crescimento de público devido a produções muito bonitas. O público aqui do Rio
de Janeiro gosta muito dos grandes clássicos. Eles nos prestigiam mais nos
grandes clássicos do que quando a gente faz uma coisa mais contemporânea. Mas
temos um público fiel sim. E eu acho que isso, claro, foi um trabalho de anos e
anos. E quanto à popularização, eu acho que eu contribuí muito para que isso
ocorresse. E agora acho que é a hora de passarmos esse cetro aos jovens que
devem continuar com essa popularização. Foi muito trabalho para conseguir que o
balé se aproximasse do povo, mas o trabalho tem que continuar, se não o povo de
afasta do balé. O povo acaba deixando de conhecer os próprios artistas. Por
isso que é tão importante que nós bailarinos em geral estejamos sempre nos
palcos produzindo e mostrando nosso trabalho.
Quanto à formação fora do
Brasil, você estudou fora, mas a sua formação básica foi aqui. Assim como a da
Cecília foi feita aqui, a da Nora foi feita aqui, apesar de ela ter dançado
fora. É uma coisa boa de saber. A gente pode até saber, mas o público de um
modo geral precisa saber.
Falando ainda sobre
formação, nós podemos sim ter ótimos bailarinos só com os professores que temos
aqui. É claro que, se você tem a oportunidade de fazer um curso fora, de se
aperfeiçoar, isso é sempre bem-vindo. Mas uma coisa que é sempre importante
dizer, falando de hoje, 2013: hoje nós temos bailarinos brasileiros
importantíssimos, trabalhando em companhias importantíssimas, com primeiros
bailarinos em companhias fora do Brasil, mas com muito pouco tempo de trabalho
dentro do Brasil. Muitos bailarinos se formam a cada ano. Nós acabamos não
conseguindo abarcar todos eles. Como eu disse, o Teatro Municipal tem
pouquíssimas audições, pouquíssimos concursos públicos, e os bailarinos acabam
saindo do país. Às vezes para ingressar em companhias até menores do que as daqui,
porque precisam dançar. No balé, a juventude tem que ser aproveitada, enquanto
ainda tem a técnica trabalhada para poder entrar nas companhias. Então acabamos
perdendo, com a falta de campo de trabalho, grandes bailarinos. Uma outra
questão que me instiga muito é... Hoje em dia temos muitos festivais de dança.
Os nossos bailarinos adolescentes vão para esses concursos. Os prêmios desses
concursos muitas vezes são prêmios em escolas renomadas. Nós, ou seja, o
Brasil, preparamos muito bem esses jovens bailarinos, com 14, 15 anos. As
escolas internacionais os vêem nesses concursos, oferecem bolsas nas suas
escolas, que são Opera de Paris, Royal Ballet de Londres, Opera de Munique,
entre outras escolas de grandes companhias. E convidam estes bailarinos quase
prontos para cursar o seu último ano de escola. Claro que vão se aperfeiçoar, é
muito bom para eles. Mas eles saem de lá não mais como bailarinos brasileiros,
mas como um bailarino que curso a escola do Royal e etc. E todos os reconhecem
como tal. Na verdade, a base foi dada no Brasil, pelos professores daqui. Eles
tiveram um aperfeiçoamento! Então isso é uma questão. Estamos perdendo muitos
dos nossos melhores artistas porque vão para escolas lá foram, cursam um ano
apenas, depois são considerados bailarinos de outras escolas e acabam
vinculando sua carreira à Europa, aos Estados Unidos. Então, eu vejo que hoje
em dia temos grandes e excelentes bailarinos em potencial, que viram bailarinos
lá fora depois de um ou dois anos. Precisamos pensar muito em como reverter
essa questão. E mais uma vez entra o caso do campo de trabalho. E, hoje em dia,
nós só temos o Theatro Municipal, que é o responsável pelos grandes clássicos,
é a grande companhia clássica brasileira, de tradição, com anos e anos de
trabalho, um teatro que tem 104 anos e é o responsável por manter, sobretudo,
os balés do século XIX. A gente tem além, a companhia, que seria aquela que
estaria indo junto com o Teatro Municipal do Rio de Janeiro, que é a São Paulo
Companhia de Dança, que também se propõe em ser uma companhia clássica e deve
ter uns quatro anos de vida, talvez. Até agora ainda não fizeram nenhum balé do
século XIX, mas têm feito grandes clássicos do século XX, como muitos balés de
Balanchine. É uma companhia de excelência, com jovens bailarinos promissores,
apesar de ser muito menor do que a nossa. O resto todo no Brasil à fora são
companhias contemporâneas. Algumas grandes, no sentido de terem muitos
bailarinos. É o caso de Deborah Colker, do Grupo Corpo, Cisne Negro, que são
companhias privadas conceituadas e que estão conseguindo sobreviver através de
patrocínios e editais através do tempo. Temos também companhias contemporâneas
pequenas que têm, às vezes, dois, três ou quatro elementos. Oito já seria uma
companhia grande em termos de poder ser mantida. Porque não é fácil manter uma
companhia de balé ou de dança.
Isso é muito importante,
porque, realmente, vemos bailarinos aqui ficando muito bons muito cedo. E isso
é diferente da nossa época. Claro que têm exceções, mas são exceções.
Como era a rotina, já
que você passou por vários estados? Sempre foi a mesma ou houve mudanças?
A rotina do Teatro
Municipal, de entrei em 1981, mudou um pouco através desses 32 anos. Mudaram os
locais de trabalho também. Eu comecei a trabalhar no Teatro Villa-Lobos, sede
do balé do Teatro Municipal na época. A rotina eram oito horas diárias, de
segunda a sábado. Sábado trabalhávamos até uma ou duas da tarde, eram quatro
horas de trabalho. Mas de segunda a sexta era de nove às seis, com uma hora de
almoço, acho que era isso. Depois passou a ser de dez às seis, oito horas de
trabalho. Nós tínhamos muitos bailarinos que vinham de Niterói, era complicado
chegar muito cedo, por isso o horário mudou para dez horas da manhã até seis da
tarde. Até que houve uma reformulação e estipularam que a gente tinha que
trabalhar seis horas. Então mudamos um pouco a rotina. A rotina do Teatro
Municipal, depois de um tempo e até hoje, é a de seis horas de trabalho, cinco
dias na semana. Sendo que uma hora e meia de aula de balé clássico no começo do
dia. E depois os diferentes ensaios, dependendo da temporada que estiver
ensaiando. Pode trabalhar das dez às quatro da tarde, ou pode ter um
intervalo. Você pode ser chamado apenas para uma parte do balé. Então às vezes
dá um pouco menos de seis horas de trabalho. Mas você tem que estar disponível.
E a aula é fundamental e, em 32 anos que eu estive presente, nunca deixamos de
ter aulas obrigatórias para todos os bailarinos. O nosso instrumento é o nosso
preparo técnico. Outra coisa que pode ter mudado ao longo do tempo foram as
aulas que tivemos de outros estudos além do balé clássico, de acordo com os
professores convidados da época. Às vezes tinha aula de algum trabalho
característico de acordo com a temporada. Tivemos aula de dança espanhola,
tivemos aulas com coreógrafos contemporâneos, etc. Isso, algo longo do tempo,
sempre tivemos. Nós sempre fomos uma companhia muito grande. Quando eu entrei,
acho que nós éramos uns 40 ou 50 bailarinos. E isso foi aumentando. Já chegamos
a 60, uma vez quando nos separamos já éramos 80. Tivemos uma temporada em que
éramos quase 120 bailarinos. Claro que nem todos dançam sempre. Desses alguns
são cortados, às vezes tem grávidas, uns machucados, alguns só fazem papel de
caráter. Então, na verdade, quem dança mesmo são umas 60 ou 70 pessoas, que
participam das temporadas. Sempre fomos divididos em três aulas. Duas aulas de
moças e uma aula de rapazes. Eu acho que em uma época tivemos duas aulas de
moças e duas aulas de rapazes, tínhamos quatro aulas. Agora, de um tempo para
cá, ficamos divididos em duas de moças e uma de rapazes. E mudamos ao longo
desses 32 anos. Depois do Villa-Lobos nós voltamos ao Teatro Municipal. Depois
o Teatro Municipal entrou em uma outra reforma e o Corpo de Baile foi para a
Escola de Dança do Teatro Municipal que era na Lapa. Como precisávamos das
dependências da Escola, eles tiveram que mudar um pouco seus horários também.
Ficamos ali enquanto era construído o prédio anexo atrás do Teatro Municipal.
Lá construíram duas grandes salas, além de uma sala menor, que era uma parte da
antiga sala do Corpo de Baile na década de 60, 70, por aí. Com tantas obras no
Teatro Municipal, foram modificando a tal sala famosa do Teatro, e ficamos com
essa sala pequena, que ainda usamos em alguns ensaios. Tivemos muitos
diferentes diretores nesses 32 anos. Eu passei por vários diretores, não sei se
vou conseguir nomear todos. Eu passei por Dalal Achcar, Jean Yves Lormeau,
Tatiana Leskova, Dennis Gray. Depois nós tivemos uma fase com bailarinos que
foram diretores, como Marcelo Misailidis, Hélio Bejani, Fauzi Mansur.... Quem
mais? Quando eu era criança eu participei do Balé “Cinderela”, eu acho que a
Dalal foi diretora, nessa época. E aí chamaram as crianças para participar. E
eu fui o reloginho da Cinderela. Até hoje eu me lembro! E a gente revezava porque eram temporadas longas. Fizemos a coreografia de
“Cinderela” para o Corpo de Baile. Eu me senti importantíssima só de pisar no
palco do Teatro Municipal. Mas na época a Cinderela era a Sonia Vilela, que era
onipresente. Então a minha resolução é a de, sempre que eu puder estar perto
das crianças, dos adolescentes. Conversar ou falar alguma coisa, nem que seja
mostrar um diário de fotos. Porque o meu sonho, quando eu era criança, era
poder estar sempre perto de uma bailarina profissional. E eu não tinha essa
oportunidade. Porque na minha época, se uma criança subisse no palco, a
professora ia lá e tirava a criança do palco. Eu queria chegar perto da
bailarina e não podia! E até hoje, por exemplo, no “Quebra-Nozes”, os ratinhos
entram, a professora tira, os bombons entram, a professora tira. Elas gostam
tanto de chegar perto, de falar... Mas isso a gente vai aprendendo com a
própria vida.
Nesses 32 anos, como
você disse, houve períodos piores e períodos melhores. Esses períodos melhores
se devem a quê? E os piores?
Os melhores períodos no
Teatro Municipal foram quando tivemos temporadas pródigas! E os piores eram
quando não dançávamos ou quando ensaiava muito e dançava quatro dias... isso é
muito pouco, era horrível. Eu considero um dos melhores períodos logo que eu
entrei, em 1981. Desse ano até 1987 tivemos um período áureo. Nesse momento
houve uma renovação do Teatro Municipal. Houve uma restauração até dos
bailarinos que já estavam lá há muito tempo, dançavam pouco. Houve também um
aumento no Corpo de Baile, acho que eles eram cerca de 40 ou 50 bailarinos. E
fizemos grandes temporadas, como “Coppelia”, “Giselle”, “Dom Quixote”, “Romeu e
Julieta”, “Sagração da Primavera”, “Quebra-Nozes”. Eram grandes temporadas de
grandes clássicos e muitas estrelas convidadas, masculinas ou femininas. Isso
deu não só uma movimentada no público carioca, que vinha ver várias vezes com estrelas
diferentes, como ajudou a mim, por exemplo. Eu era uma bailarina iniciante e
pude observar, não só as nossas bailarinas brasileiras que tinham muito mais
experiência do que eu, como as grandes estrelas que vinham de fora. Eram
inúmeros bailarinos estrangeiros, porque nessa época, em 1981, nós não tínhamos
primeiros bailarinos. Os primeiros bailarinos conhecidos do Teatro Municipal já
não mais dançavam. Então tínhamos uma lacuna aí e os bailarinos acabavam vindo
de fora. Quando eu entrei as primeiras bailarinas eram Nora Esteves, Alice
Colino e Cristina Martinelli. Elas já eram grandes estrelas com carreiras
reconhecidas. Entrei eu nesse primeiro momento, depois, mais tarde, uma
bailarina que já era da companhia, primeira bailarina. E logo um ou dois anos
depois que eu entrei chegou a Cecília Kerche, que, alguns anos depois, também
passou a primeira bailarina. Mas elas eram grandes referências para a gente, e
depois as grandes estrelas que vinham dançar aqui. E eu tive a oportunidade
também de dançar com Márcia Haydée. Para mim ela era uma grande estrela e uma
grande referência. Não só por ser brasileira, mas por ser a artista que era. A
sua maneira de representar, de interpretar... Então, voltando, o lado bom para
mim era sempre que tínhamos grandes espetáculos. Depois tivemos uma época
também de espetáculos não muito grandes. Tivemos uma época de Brasil. Quase não
dançamos. Em uma das épocas tivemos inclusive a Dalal Achcar na presidência da
Fundação, e ela dizia: “Se não temos condição de mostrar o que temos de melhor,
é melhor não fazer”. Fazer qualquer coisa não era o ideal. Devíamos fazer
o que sabíamos fazer com excelência. Foi um período muito difícil de dinheiro
para a cultura no país. Então os piores momentos foram aqueles que não dançamos
muito. Havia momentos em que tínhamos menos espetáculos tão interessantes, mas aí
tínhamos sempre alguns que salvavam. Por exemplo, eu, tarde na minha carreira,
já em 1990 (tarde porque eu já era bailarina do Teatro há dez anos) eu fiz “La
Sylphide”, que eu considero um balé que foi muito bom para mim. É um balé
difícil, de muita tradição, com a coreografia e remontagem do Pierre Lacotte, e
foi um grande balé. Isso no ano do Plano Collor, do dinheiro preso. Ficamos
meses sem dançar, a produção não podia ser feita porque o dinheiro do Teatro
ficou preso também. Ficamos alguns dias nessa angústia até que estreou. Foi um
balé que fez muito sucesso. Depois conseguimos viajar pelo Brasil com esse
balé, e com duas estrelas da Ópera de Paris: o Manuel Legris e a Elisabeth
Platel. Tínhamos sempre altos e baixos, mas acabava conseguindo realizar o
trabalho. Tenho grandes e ótimas recordações do Teatro Municipal.
Você lembra de alguma
curiosidade dessas épocas, que são várias, que você passou no Teatro? É
interessante essa seleção que cada uma faz do que é curioso na sua trajetória.
Curiosidades da minha
época do Teatro Municipal? Nossa! Tem muitas, daria até um livro. Primeiro eu
lembro de muito ensaio. Eu acho que ensaiávamos mais do que hoje. Apesar de as
horas serem as mesmas. Eu não entendo. Eu não sei se é porque eu era mais jovem
e achava que eu não sabia tanto. Eu não sei. Me lembro de muito ensaio e muita
repetição. Hoje em dia a gente ensaia bastante, claro, mas eu não acho que a
gente repita tanto. Eu fiz uma temporada com a Tatiana Leskova que ela me fazia
repetir, repetir, repetir.... Quando ninguém aguentava mais ela fazia repetir
de novo. E agora em 2013 foi um prazer, depois de tantos anos, ensaiar com a
Dona Tânia. Foi aquela coisa, novamente, de muitos ensaios. É gostoso,
bailarino gosta disso, de estar cansado de tanto ensaio. Eu tenho muitas coisas
curiosas! Por exemplo, eu conheci meu marido no Teatro Municipal. Ele era um
bailarino que veio dançar aqui e foi por acaso. Na realidade, ele estava de
férias no Brasil, ele é inglês. E foi no Teatro Municipal procurar um professor
amigo dele que deveria estar dando aula para a gente, era o Rubens Echeveria.
Ele chegou lá, o Rubens ainda não estava. Aí disseram para ele voltar depois de
dois ou três dias. Ele voltou, o Rubens chamou ele para fazer umas aulas, como
ele estava de férias no Brasil ele começou a fazer algumas. Na verdade, ele
acabou encontrando, por acaso no Teatro, com um coreógrafo que ele já tinha
trabalhado chamado Norbert Vesak.E o
Norbert já tinha falado uma semana antes com Dalal Achcar sobre o Graham. Ele
disse que a única pessoa que ele via fazendo a “Sagração da Primavera” dele era
esse bailarino inglês que morava na Escócia, que era o Graham Bart. E, por
acaso, ele dá de cara nos corredores do Teatro com o Graham! Ele conversa com
Dalal Achcar e ela o contrata no ano seguinte. Ele saiu para jantar comigo
também, conversa vai, conversa vem, acabamos namorando. Graham, três anos
depois, com o fim de seu contrato com o Teatro, vai embora. E aí teria
terminado o nosso namoro. Mas o destino nos pregou várias peças, namoramos dois
anos à distância, ele morando nos Estados Unidos e eu morando no Brasil. Até
que casamos. Então, conheci meu marido no Teatro. Casamos aqui no Rio de
Janeiro. E ele criou um papel aqui num balé super brasileiro que foi
“Gabriela”, com coreografia do Gilberto Motta. Era o Nacib. Era um balé muito
legal, que eu não dançava, tinham outras Gabrielas. Então isso foi um fato
curioso. São tantas histórias! Tínhamos que juntar uns bailarinos para
lembrarmos umas histórias engraçadas. Bom, mais uma recordação minha foi, por
exemplo. A gente ia fazer um ensaio geral porque não podíamos estrear devido
ao dinheiro preso. Mas, como o coreógrafo estava no Brasil e o dinheiro acabou
ficando preso naquele momento, ele ficou até o dia do ensaio geral. Tinham
pessoas que não conheciam o Rio de Janeiro e não conseguiram chegar no Teatro
Municipal. Os bailarinos já tinham chegado mais cedo e, na época, ele não
conseguiu chegar, ficou no meio do caminho e ligou para o Teatro. E acabaram
dispensando os bailarinos do Corpo de Baile e o coreógrafo ficou só com os
principais. Tínhamos certeza que tudo ia dar certo, para ensaiar a iluminação,
etc. Ensaiamos com fita gravada. E eu e Paulo Rodrigues fazendo
“La Sylphide” inteiro até as onze horas da noite.
E o Rio de Janeiro em dilúvio e não sabíamos. Estava achando estranho porque
bailarinos começaram a voltar e estavam na plateia. E a diretora, que era a
Tatiana Leskova, perguntou porque eles não iam embora. E eles contaram que não
dava para sair porque a cidade estava toda alagada. Tivemos que dormir no
Theatro Municipal. E vários bailarinos e pessoas que estavam ali, incluindo
Tatiana Leskova, ficamos até sete horas da manhã. Eu dormi na sala de aula,
colocamos uns colchonetes, as nossas toalhas de banho, e lá ficamos a madrugada
toda porque não tinha como sair do Teatro Municipal. Então isso foi um fato
inusitado também. E foi uma noite muito alegre, Dona Tânia falou que via
fantasmas no Teatro, coisas muito engraçadas! E acabou passando. Em “La
Sylphide”, já dançando, um dia eu entro e, na primeira cena do segundo ato, que
é uma cena séria, só os bailarinos, que eram Paulo Rodrigues e eu, estávamos
dançando só eu e ele, e de repente percebo que o público ri. Eu fiquei sem
entender, olhava para o Paulo Rodrigues e tentava entender o que estava
acontecendo. Daqui a pouco eu vejo uma lata de tinta que rolava pelo palco do
Teatro Municipal. As bailarinas que voavam (tem voos em “La Sylphide”) tinham o
pé preso por um fio de nylon para o pé poder ficar mais alto, porque eles
tinham que ficar a 180º., mas o fio de nylon era enrolado numa lata de tinta,
um pouco precariamente. Então, não sei o que aconteceu, a bailarina deve ter
feito algum movimento sem querer, a pessoa perdeu a lata da mão. Porque eles
enrolavam e desenrolavam o fio da lata enquanto elas voavam. E o negócio caiu.
Então ele começou a puxar o fio para trazer de volta a lata e ela desenrolava e
ia descendo. Então todo mundo começou a ficar aflito achando que ia cair na
orquestra. Só que isso acontecia atrás de mim e do Paulo. Enfim, segundos de
agonia, mas depois os técnicos conseguiram resgatar essa lata. Porque se não
ela podia realmente cair no fosso da orquestra. E a gente lá sem entender
porque o público ria. Outra coisa me aconteceu, foi dançando "La fille mal
gardée" com o Jean-Yves Lormeau. Aliás, com ele eu tive várias coisas
engraçadas. Ficávamos no último ato numa casa fechada e, na cena final, eu
tinha que correr e esconder o meu namorado. A Lisi, que é a personagem, está
dentro de casa trancada com o namorado, e quando percebe que a mãe vai chegar,
ela abre a porta do quarto dela, joga o namorado dentro e volta fingindo que
está trabalhando, varrendo, etc., esperando a mãe. E qual é a minha surpresa?
Porque quando eu chego correndo é tudo feito dentro da música. É o tempo de
correr, pegar a vassoura e a mãe entra. Então eu fui lá em cima correndo para
abrir a porta do quarto e estava trancada! E eu pensei: “O que eu vou fazer com
esse cara aqui?!” O resto era tudo pintura de porta, de janela, não era de
verdade. A única porta dentro do telão e eu não conseguia abrir. Me deu um
pânico ali. Eu pensei: “Vai acabar toda a história. A mãe vai chegar, ele vai
estar lá e ela vai ver”. E aí, de repente, eu vi que tinha um preguinho para a
porta não ficar abrindo, porque o cenário subia. Era um preguinho segurando a
tela. Aí eu consegui abaixar esse preguinho e a porta abriu. Foi no laço do
laço do laço! Essas coisas que acontecem de contrarregra em que o público acaba
não percebendo. Fora a correria de trocas de roupas, roupas que arrebentam....
Eu tive até poucos casos assim porque eu muito cuidadosa. Mas teve uma vez que
eu levantei o braço para fazer um "ponche" arabesque
e a alça do “tchu tchu” caiu. Eu tive que dançar sem uma alça. Eu acho que foi
“Quebra-Nozes”. Eu tive que dançar todo o final do pas de deux sem uma alça.
Mas eu tinha barbatana, então segurava bem, não ficou nada de fora.
Dentro de uma companhia,
várias coisas são envolvidas para que a companhia dê certo. Mas as pessoas mais
ligadas aos bailarinos, as que lidam com eles todos os dias são os pianistas.
Você lembra de pianistas que tocaram para você?
Eu acho que eu lembro
de bastantes pianistas do Teatro Municipal. Desde que eu entrei eu me lembro da
Ilka (Jardim), da dona Ieda e me lembro de um senhorzinho... Como se chamava?
Ele já era do Teatro Municipal há muito tempo quando eu entrei. É um excelente
pianista, que tocava para ensaio também. E temos também esses que já estão.
Muitos deles entraram junto comigo. Tem o Valdemar Gonçalves, a Gladys
Rodrigues, Itajara Dias e Gelton Galvão. Esses são os que tocam para a gente há
muitos anos. Me lembro de outros também, como a Inês, que era a única. Tinha
uma outra estrangeira que tocou um tempo para a gente. E alguns pianistas
tiveram realmente muito contato com a gente, porque eles tocam nas aulas, então
estão sempre ali, e tocam nos ensaios também. Isso é uma coisa que eu acho
fundamental para uma companhia clássica. Tem que ter um pianista que toque para
ensaios. O ensaio fica mais dinâmico. Como dançamos com orquestra, é muito
melhor ensaiar com pianista. Cada dia tem um andamento um pouquinho diferente,
por mais que tenha que seguir um determinado padrão. Mas é isso que acontece
com a orquestra também. Nunca vai ser completamente igual, como um CD. E
acabamos nos acostumando com aquela marcação sempre igual do CD, então é muito
bom ter pianista. Acho que nós tivemos grandes pianistas que trabalharam bem
próximos a nós, além desses que eu falei agora que ainda estão conosco em aulas
e ensaios. Eu até fiz um livro e, em um dos livros eu tenho um CD junto com
Valdemar Gonçalves. Eu criei uma aula e ele criou músicas inéditas. Nós
colocamos no “Ana Botafogo – Na ponta dos pés”, que vem com um CD para aula. O
pianista faz parte da aula. Fazer aula com piano faz toda diferente. É muito
bom ter a tecnologia, mas faz muita diferença quando a gente tem um pianista e
um piano de verdade.
Você leciona ou já lecionou
balé?
Quando morei em
Curitiba lecionei. Enquanto era bailarina no Teatro Guaíra foi criada uma
escola de uma amiga e trabalhei com eles logo. Lecionei durante seis meses.
Trabalhava no Teatro Guaíra até quatro horas da tarde, às cinco eu dava aula e
à noite eu ia para a faculdade. Então era um dia intenso de trabalho e de
estudo. Foi a única vez que eu lecionei regularmente, durante seis meses. E
depois a minha vida de bailarina ficou muito intensa no Theatro Municipal e
parei de lecionar. Comecei a viajar muito também e tive uma carreira fora do
Theatro Municipal. Não tinha como dar aulas, além do mais ficava exausta com
meu dia de trabalho. Para dar aula você precisa estar presente, e eu viajava
muito. Então até hoje, em 32 anos, eu nunca tive uma turma. Já dei aulas
esporádicas, já dei cursos, mas nunca lecionei regularmente, fora esses seis
meses em Curitiba.
Você se lembra de alguns
coreógrafos com quem você trabalhou? Alguns que vieram de fora,
internacionais...
Lembro de alguns, mas são
muitos... Eu lembro do Pierre Lacotte, Norbert Vesak, Robert de La Rose, Renato
Magalhães. Nas montagens dos balés do (John) Cranko, a Georgette... não me
lembro o sobrenome. Enrique Martinez foi com “Coppelia”. Trabalhamos juntos
logo no começo e ele foi muito importante na minha carreira porque foi quem me
fez o primeiro convite internacional, para dançar o balé “Coppelia” com o
Fernando Bujones na Venezuela, em Caracas. Depois eu tive uma indicação dele
para dançar em Roma. Era com a Ópera de Roma, mas foi ao ar livre, nas pernas
de Caracala. Dancei também o balé “Coppelia” com o Fernando Bujones. Teve um
coreógrafo que eu adorei trabalhar, mas acabei não dançando nenhum balé dele. Tivemos
muitos coreógrafos, sobretudo coreógrafos contemporâneos que vieram trabalhar
aqui com a Companhia. Nem todos eles eu participei, mas eles estiveram com a Companhia
Você já remontou algum
balé?
Não, nunca remontei nenhum
balé.
Dentro do Theatro Municipal, você já exerceu alguma outra função, sem ser a de bailarina?
Na realidade não. Nesses 32 anos eu fui
bailarina. Às vezes as pessoas me procuram, e parece que eu sou a diretora do
balé! Até quando eu viajo com a Companhia, para algumas pessoas parece que eu
que mando nos bailarinos. Tenho que lembrar - “Olha, eu sou apenas uma
bailarina”. Eu exerci intensamente o meu papel de bailarina, 24 horas por dia,
cumprindo todos os meus horários no Theatro Municipal e vivenciando o meu papel
de bailarina fora do Teatro Municipal. Porque, para eu estar presente no dia
seguinte no Teatro Municipal, cedo ou tarde, em ensaios, o meu dia anterior é
pensado em função de ser bailarina. Sempre me dediquei à minha carreira de
bailarina intensamente. Esses 32 anos no Teatro Municipal foram anos
inteiramente dedicados à minha carreira de bailarina. Por isso mesmo não dei
aula. Há uns dois anos atrás, o diretor da época, que agora eu não me
lembro, me pediu que eu trabalhasse com algumas primeiras-bailarinas o
“Quebra-Nozes”. Focando em algumas variações. Mas foi só, nem trabalhei o tempo
todo. Na época já estava dançando muito e acabei não fazendo, mas ajudei. Nunca
fui ensaiadora oficial, nunca fui remontadora. Quando muito, principalmente
nessa fase atual, eu atuo como uma conselheira. Mas eu nunca tive outra
participação efetiva sem ser bailarina, 24 horas por dia.
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