Sônia Villela

Sônia Villela




Bailarina Sônia Vilela nasceu em 26 de abril de 1945, no Rio de Janeiro.


Como você iniciou os estudos de ballet?


Iniciei meus estudos de ballet no Clube Ginástico Português, onde havia uma Escola de Dança muito grande e bem conceituada, dirigida por Vera Grabrinska e Pierre Michailowski. Eles eram oriundos da Cia. De Ballet Ana Pavlova, que havia feito uma temporada pela América do Sul, incluindo, naturalmente, o Brasil. O uniforme de aulas era um vestidinho branco, com sainha curta rodada, como se usava na Rússia, na primeira metade do século XX. (Vi isso no filme Meias de Seda, musical com Cyd Charisse.)


Eu havia assistido uma apresentação da Escola do clube e havia ficado completamente apaixonada por ballet.  Vi as alunas com tutus coloridos, dançando nas pontas, crianças fantasiadas de borboletas, de flores, de personagens de histórias infantis. Tudo aquilo me encantou e ficou para sempre em minha memória. Era, para mim, a coisa mais bela do mundo. Dançava em casa, ao som daqueles discos clássicos, de vinil. Insistia muito, com minha mãe, para entrar para a escola de danças, mas, como minha irmã mais velha estava com o casamento marcado e minha mãe muito atarefada, tive que esperar.


 Todo Natal, eu pedia uma boneca. Quando meus pais perguntaram se eu ia pedir mais uma, naquele ano, eu respondi: “Não, desta vez vou querer uns sapatinhos de ballet.” Minha mãe ficou comovida e tratou logo de matricular-me na escola. Mais ou menos no final de agosto, eu comecei. Mas Vera Grabrinska e o marido se desentenderam com a direção do clube e os preparativos para o espetáculo de fim de ano, que seria em outubro, foram assumidos por Juliana Yanakiewa, que começou a montar o espetáculo do qual eu já participei. Foi um sonho realizado.


 Depois de Juliana veio a professora da Escola de Danças do Theatro, Edith Vasconcelos, e continuei.  Eu e minha mãe não tínhamos conhecimentos no meio de ballet, não tínhamos muita informação a respeito. Mas uma colega de turma, a Regina Carvalho (depois Bertelli) ia fazer concurso para a Escola de Danças Clássicas do Teatro Municipal. Ela e sua mãe me incentivaram a também tentar. Assim, fiz a prova de ingresso e passei. Como já tinha um pouco de conhecimento e bom físico, fui classificada para o segundo ano. Com dez anos de idade, comecei, então, a estudar ballet, na Escola de Danças Clássicas do Teatro Municipal, atual Escola Estadual de Danças Maria Olenewa.   Depois de um tempo, passei a fazer aulas, também, na academia Bertha Rosanova. Minha turma era composta por Gisele Santoro, Maria Edwiges Mendonça Braga, Chiquita Borghoff, e outras. Cristina Martinell, Theresa Ubirajara, Rosângela Calheiros eram também da academia, mas de outra turma, por serem mais novas. Continuei estudando, até que chegou o momento em que, em 1963, fiz concurso para o Corpo de Baile do Teatro Municipal.  Tive boas professoras na Escola, como Lídia Costallat, Renê Wells, Consuelo Rios, Tamara Capeller e outras, que me deram boa formação e muita disciplina.


Por que entrar para o corpo de baile?


Porque era uma consequência natural.  Eu estudei, fiz a Escola toda e admirava os bailarinos do Corpo de Baile. Assisti o Lago dos Cisnes, aquela primeira versão completa do Lago montada por Eugênia Feodorova, com Bertha Rosanova e Aldo Lotufo, que, na minha opinião, é a mais linda que já dançamos. Nós, da Escola, ganhávamos entrada para Galeria, letra ‘k’, junto ao teto do teatro, para domingo de manhã. Mas, para nós, jovens estudantes, era um verdadeiro sonho. Eu admirava a Companhia e queria ser igual a eles, queria ser uma bailarina, também. Essa era minha vocação. Por isso, fiz concurso para o Corpo de Baile, em Abril de 1963, com 18 anos incompletos. Meu pai achava que a carreira de bailarina era insegura e incerta, e ele não estava errado. Por isso, em fevereiro, do mesmo ano, havia feito vestibular para Letras. Assim, fiz paralelamente as duas coisas e me graduei em Português-Francês pela UERJ.  Mas minha escolha foi pela minha paixão, o ballet. 


Em 1965, Willian Dollar veio como convidado. Ele dava aulas magníficas, era um grande coreógrafo, foi, enfim, um período de ouro para nós.  Ele montou ballets como Sebastian, com Davi Dupré no papel principal, Constança, com música de Chopin, Concerto, de Mozart, e outros.  Depois dessa fase, continuei sempre dançando. Fazia óperas, muitos ballets de Dennis Gray e de outros coreógrafos.  D. Tânia (Tatiana Leskova), com seu enorme conhecimento, montou o Galo de Ouro, Coppélia, Giselle, coreografias importantes para o repertório do Ballet do Teatro. Nessa época, cresci bastante como profissional.  D. Tania é realmente uma ‘instituição’ em termos de dança. Sua aula era perfeita.  E ela trazia dinamismo à Companhia, convidava profissionais competentes, que ela conhecia no exterior, o que muito contribuiu para o aprimoramento e atualização do Ballet do Teatro Municipal. Não nos esqueçamos de que, então, não contávamos com Internet, DVDs e todas as facilidades de comunicação atuais.


Outra fase muito boa foi quando trabalhamos sob a direção de Hector Zaraspe, que era um excelente professor argentino.  Basta dizer que ele dava aulas para Nureyev que, convidado por ele, dançou conosco Les Sylphides e Apollon Musaget. Zaraspe era uma figura pitoresca: baixo, moreno, tinha os cabelos um pouco longos, se vestia de preto e usava uma echarpe e uma capa. Ele adentrava a sala com passos rápidos, os cabelos e a capa esvoaçantes, numa verdadeira performance. Um dia ele nos explicou que, para ele, a aula era sagrada, como uma missa. Por isso, ele se vestia de uma forma que lembrava um padre e entrava na sala de forma tão  solene.


Outro diretor importante foi Jorge Garcia. Ele assumiu a direção do ballet no final dos anos 70. Nós trabalhávamos muito, das 9h da manhã até às 5h da tarde, inclusive aos sábados. Mas fazíamos as aulas com grande entusiasmo. O método dele era algo que levava você a trabalhar com toda a energia e, no final, a querer ainda mais. Começava o centro com pequenos saltos, baterias, “sissones”, grandes saltos, e você seguia num ritmo crescente, até o final da aula. Fez remontagens como Giselle, Grand Pas de Quatre, Lago dos Cisnes, remontou também um ballet seu, Variação Sinfônicas, com música de Cezar Frank. Ele produziu muito e, tecnicamente, levantou a Companhia. Foi um ano em que dançamos muito e dançamos bem.


Não posso esquecer Dona Eugênia (Eugenia Feodorova). Ela fez muito por nós: além das aulas, naquele estilo russo mais antigo, mais pesado, que dava muita força e técnica, ela foi grande coreógrafa e remontadora. Seu Lago dos Cisnes, em quatro atos, o primeiro da América do Sul, foi genial.  Além de Paquita, Raimonda, e outros clássicos. Ela era excelente na correção dos detalhes, na parte artística, sabia como extrair o máximo dos bailarinos.  Tanto ela como Dona Tânia (Tatiana Leskova) são dois marcos da dança no Brasil, pois fizeram muito pela nossa evolução. A fonte de muito do que aprendemos e depois transmitimos a outros bailarinos está nelas.


 E quando você começou como ensaiadora?


Em 1987, eu parei de dançar. Estava com 42 anos.  Comecei, então, como ensaiadora. Tive a oportunidade de aprender muito, trabalhei com gente muito boa. Jean Yves Lormeau, no período em que foi nosso diretor, trazia muitos artistas da Ópera de Paris. Fui assistente de Pierre Lacotte, Elizabeth Platel que veio várias vezes fazer remontagens, Jacques Namont e outros. Como eu falava francês, Jean Yves me colocava com esses convidados. Tive também a oportunidade de trabalhar com Patricia Neary e Joysanne Sidimus, responsáveis pelas obras de Balanchine. Aprendi muito com todos eles.  


 Infelizmente, muitas obras que, no passado, fizeram a glória de nossa Companhia foram perdidas, como:  Les Pressages, Le Tricorne, Gaietée Parisienne, de Leonid Massine, Combate e Constança, de William Dollar. Triunfo de Afrodite, de Milkos Sparemblek, Magnificat e Mandarim Maravilhoso, de Oscar Arraiz e tantos mais, que seria impossível citar todos. 


Você lembra-se dos pianistas?


Sim: Tieta, que veio da Academia Tatiana Leskova e, com muita prática e competência, acompanhava nossas aulas; Geraldo Rocha Barbosa, excelente concertista, tocava todos os ballets (naquele tempo não existiam ensaios com CD).  Depois, tivemos a Ilka Jardim, que animava qualquer aula, pois tocava com talento e entusiasmo, inclusive suas belas  composições. E, ainda, D. Yedda Pavão, Sr. Célio Evangelista, Sr. Victor, e muitos outros, que vieram depois, todos nos ajudando muito com sua arte, acompanhando nossos passos e nossas interpretações, tornando mais leves nossas árduas jornadas de aulas e ensaios.   


Você já lecionou?


Sim. Dennis Gray, que dava aulas na Academia Johny Franklin, me convidou para trabalhar com ele. Lecionei também no Curso de Dança da Faculdade da Cidade, a convite do então coordenador, Flávio Sampaio.  Fiquei encarregada de duas cadeiras, Repertório e Terminologia e, eventualmente, dava aulas de Técnica de Ballet. Esses foram os dois lugares onde trabalhei como professora, por um bom tempo.


Você já coreografou?


Coreografei para academias. A criação dá uma satisfação muito grande. Quando você vê o ballet pronto, mesmo que seja algo simples, adaptado para alunos, é muito bom. Mas eu não segui por esse caminho, pois trabalhava muito no Theatro, e não tinha como me dedicar a outras atividades. Mas participei de muitas remontagens para a nossa Companhia: Coppelia (Henrique Martinez), Giselle (Peter Write), Lago dos Cisnes em diferentes versões (Jean Yves Lormeau, Natalia Makarova e Eugenia Feodorova), Nascimento (de David Parsons), Napoli (Bournonville) foram algumas delas.


Que funções além de bailarina você exerceu?


Só de ensaiadora e, eventualmente, remontadora.  Algumas pessoas de tornam professoras, outras vão para a produção, para a administração, para o som, mas eu fiquei, mesmo, como ensaiadora. E a quem quiser saber se a profissão é difícil, a resposta é sim. Muito esforço mental e físico, muita disciplina, muito sacrifício. Mas, como já disse, a dança é uma paixão, uma vocação. Se tivesse que recomeçar, faria tudo de novo. Nada substitui a felicidade e o orgulho de participar de um espetáculo do Theatro Municipal, tanto em cena, como bailarina, quanto nos bastidores, como ensaiadora, mas contribuindo, sempre, na busca da perfeição, para que a magia da nossa arte resplandeça em toda sua grandiosa e sublime beleza.








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