Irene Orazem

Irene Orazem


Nasceu em 18 de julho de 1940, no Rio de Janeiro, no Rio Comprido

Iniciou seus estudos de ballet na Escola de Danças Maria Olenewa(antiga escola de Danças do Theatro Municipal do Rio de janeiro) junto com mais duas irmãs, por insistência da irmã do meio. A mãe levou as três. Tinha 8 anos e meio. Fez um teste, e haviam duas professoras para escolher naquela época - Gertrudes Wolf e a Luisa Carbonell. A mãe, escolheu a Carbonell. Fez todo o curso praticamente com ela. Depois um ano com Renée Wells quando a Luiza Carbonel saiu, devido a desavenças com a diretora Madleine Rosay. Os dois anos ultimos anos da escola já foram no Corpo de Baile. Entrou para o Corpo de Baile em 1955, com 15 anos, com Eleonora Oliosi, Alice Colino e Caliope Verniere. 

FORMAÇÃO PROFISSIONAL
Foi só a Escola de Danças.

Por que você quis entrar para o Corpo de Baile?
Para continuar a carreira era a única chance. Alem disso era um meio de trabalho, de sobrevivência. Teria um salário e poderia ajudar a minha família. E queria continuar a carreira.

Rotina diária do Corpo de Baile,
Mudou bastante. Quando eu entrei tinha o horário de 9:30h ao meio dia, parava para o almoço e recomeçava de 14:30h até às 17:00h. Depois todos iam fazer aula fora, D. Tânia (Tatiana Leskova) ou com a D. Eugênia (Feodorova) ou com algum professor que aparecesse. Nessa época eu fiz aula fora. Na época da escola, não. O horário era esse. Quando tinha espetáculo à noite, o trabalho era de manhã e à noite. No dia seguinte tinha folga. Isso até 1977, quando passou a ser uma Fundação. Passou a ser um horário integral de 10:00h às 16:00h. Saiu muita gente nessa época. Ficamos só 15 ou 16 loucos. Nessa época não estávamos trabalhando no Theatro devido as obras no Theatro. O trabalho era no Copaleme (clube em Copacabana)  com a direção do Jorge Garcia. Fizemos espetáculos fora do Rio, no João Caetano, até a reabertura do Theatro, em 78. José Moura substituiu o (Jorge) Garcia. Foi uma gestão muito louca. Já estavamos no Theatro mas sem programação. Foi um ano muito ruim. Isso já era quase década de 80. Com o Garcia eu já comecei a ser ensaiadora, junto com o Emílio (Martins). Remontamos uns ballets. 

MELHOR TEMPO
Década de 1950 quando veio o Massine e montou seus ballets. De 1971 até 1975, vieram (Oscar) Araiz, (George)Skibine com boas temporadas. De 1977/1978 o Theatro voltou a ficar fechado. Jorge Garcia volta, por mais dois ou três anos.
 D. Tânia (Tatiana Leskova) entrou e saiu várias vezes. Ela está aí hoje ainda, brilhando. Com o (Jorge)Garcia eu já comecei a trabalhar um pouco de ensaiadora, mas continuava dançando. Na época do (José) Moura só fizemos ballets daqui, com Gilberto Motta, com Jean-Marie Dubrul. Em 1981 veio Dalal(Achcar). Todos tiveram que fazer prova. Ela, muito gentilmente, me perguntou se eu queria fazer a prova para continuar dançando ainda alguma coisa ou se eu queria ficar só como assistente (ja estava com 41 anos). Como eu estava vindo de uma gestão que não era muito boa resolvi tentar, fazer a prova. Sabia que Dalal(Achcar) ia montar coisas boas. Fiz a prova, passei para segunda solista e dancei todo o repertório que ela fez. “Romeu e Julieta”, “Quebra-Nozes”, “Sagração da Primavera”, “Coppelia”, tive a chance de fazer ainda muita coisa boa.  Nunca fiz além do que eu podia, “Hum, isso eu não podia ter feito”, não. E na minha carreira sempre foi assim, eu sempre tive chances maiores com os coreógrafos estrangeiros que vieram aqui. Sempre. Desde o Massine, o Lander, Skibine, Araiz, todos eles. Não sei se era o meu biótipo, não sei o que era. Eu era a mais alta naquela época, agora eu já não sou alta, né? Eu sou média, porque a geração toda está enorme, né? Mas então eu fiquei dançando bastante tempo, depois passei a fazer bastantes personagens. “Rainha-mãe”, “Mãe de Giselle”, Les Sylphides”. Em “La Sylphide” também trabalhei com Pierre Lacotte. Então, é tanta gente que você acaba esquecendo de algumas pessoas. Aí comecei a fazer esses papéis e fiquei como ensaiadora, remontando muitos ballets. Cada diretor que entrava me mantinha nessa posição. Fazendo papéis e dando aula. Dei aula no Corpo de Baile um tempo e sendo remontadora também.

Que ballets você remontou?
Eu comecei com o Emílio remontando “Magnífica” do (Oscar)Araiz, que montou aqui em 75. Depois, na década de 80, eu e Emílio remontamos ballets que vinham de fora. Não só remontava como era assistente também, por exemplo do “Nuestras Valsas”, de um coreógrafo venezuelano, que morreu há pouco tempo. Remontamos os ballets que o Gustavo (Molajoli) montou aqui também. Sempre ajudei a remontar “Lago” porque eu participei da primeira montagem de Dona Eugênia, de “Lago”. Adorei também remontar “Le Pressage” com a Dona Tânia (Tatiana Leskova) na década de 1980, Porque, naquela época, tinha eu, a Rojan que lembrava alguma coisa, mas não era da área artística. Foi ótima essa remontagem dela. Ela vive o mundo fazendo essa remontagem. Esse ballet é lindo. É uma pena que a gente tenha perdido tanta coisa de repertório. Tem  “A Sétima Valsa”, a vamos remontar “Criação” de Scholz. Sempre estava ali ajudando. Mas agora eu não estou mais.

Você pode contar algumas curiosidades significativas dessa rotina diária de trabalho?
Era tudo tão ingênuo antigamente. Tinha a sala de aula, que era maravilhosa, mas acabou. Tinha uma antessala, com aquelas cadeiras laterias. Como a tinha essa hora de almoço, que aliás era um horror porque você não saía para almoçar, não fazia nada e acabava ficando ali. Levávamos comida, e uma senhorinha que ficava lá no cantinho perto do banheiro esquentava para gente. Ou então acabávamos ficando no camarim. Tinha um camarim que era da PSC, do “puxa-saco”. Era das mais antigas e você não podia entrar. Tinha camarim pro Corpo de Baile, tinha o camarim das primeiras-bailarinas, que era da Berta (Rosanova), da Tamara (Cappeller). Você tinha que galgar, não só na sala de aula, mas no camarim também. Não era fácil. Até que eu consegui passar pra aquele camarim grande que tinha a Helga Loreida, Rojan Cavina, Shirley Pereira, Ione Belini. Do outro lado tinha o das mais antigas, tinha a Thaís Belini que era uma pessoa incrível. Seria muito engraçado se vocês a entrevistassem, ela é muito engraçada. Ela tem histórias incríveis. E naquela sala acontecia de tudo porque as pessoas ficavam fazendo mil e uma coisas. David e Denis eram uma coisa de louco. Geraldinho (Geraldo Cavalcanti) também. Faziam ponta sem ponta, botavam “tutu”, fingiam que iam se jogar daquela janela! O Theatro era muito mais aconchegante, tinha uma cantina lá embaixo, do lado da sala da Orquestra. Havia um contato maior com os músicos. Fazíamos muita ópera. Quantas óperas eu fiz! Hoje em dia ninguém mais quer fazer ópera. É uma falta de cultura total. Não querem fazer. Acontece também que, de umas direções pra cá, resolveram ficar chamando gente de fora pra fazer. Isso desde a gestão do (Fernando) Bicudo. Quem vinha de fora recebia pra fazer, nós fazíamos como obrigação de salário. O Ballet do Theatro foi criado para dançar ópera. Depois é que passou a ser uma Cia de Ballet. Faziamos óperas e dançavamos, por exemplo, no 4º ato de “Aída” fazendo sacerdotisa. Com isso você tinha que ficar na cantina. Mas não era aquela coisa fria. Você encontrava com músico, com cantor. Hoje em dia não conheço ninguém da Orquestra, ninguém do coro, quase. Ficou uma coisa muito mais isolada. E todos atuam no mesmo prédio! Não há essa integração. Primeiro que tem pouquíssimas óperas. Tínhamos grandes óperas, com grandes ballets. “Gioconda”, “Aída”, “Fausto”,  “A Noite de Walpurgis”, “Galo de Ouro”. Havia muito ballet para fazer. E quando não fazia ballet, a fazia comparsaria na ópera, pra ganhar uma graninha.  Tinha essas coisas que hoje em dia não tem mais. Hoje em dia tudo é descartável. Hoje em dia, montam um ballet, apresenta três, quatro vezes e não querem mais. “Mamãe já veio, papai já veio...” Aí já começa uma a ficar doente, entendeu? Eu não, porque eu sempre dancei pra mim. Meu pai foi uma criatura que, se ele me viu dançar três vezes foi muito. Acho que ele viu “Lago”, 4º ato, uma vez. E minha mãe também, depois de mim, mais tarde, ela teve um filho temporão. Era difícil. Então eu sempre fiz pra mim mesma. Nunca dancei para marido, nem pra filho. Eu tive muitos problemas, na verdade. Eu tinha tudo para ter desistido. Com 16 anos, para 17, eu tive o primeiro problema de joelho. A rótula deslocava. Eu estava ensaiando uma vez “Coppelia”, a rótula saiu do lugar, eu caí no chão desmaiada, foi uma coisa horrível. Dona Tânia (Tatiana Leskova) gritando, aí veio um bailarino, Lauro, que puxou a minha perna e botou no lugar. Mas cada vez que saía a rótula do lugar, engessava. Eu ficava três meses parada. No ano seguinte tive de novo. No mesmo dia eu tive de novo, no estúdio da Dona Eugênia (Feodorova), na Carlos Góes. Liguei pro Dr. Rubens, ele foi lá me pegar. De novo tinha que botar gesso... Meu médio era o Dr. Mário Tourinho. Ele falou pra mim: “Se você não operar agora, você vai subir no ônibus e ela vai sair. Porque o seu tendão já virou um macarrão.” E ele fez uma cirurgia sensacional. Isso em 1958. Eu fiz toda a minha carreira com parafuso no joelho, nunca deixei de dançar nada por causa dele. A única coisa é que, às vezes, em “Lago” eu trocava a pose no “adage”, pra não ficar deitada em cima do joelho operado. Ficava lá no centro, Dona Eugênia (Feodorova) dizia: “Não, você pode trocar a perna que lá de fora ninguém vai ver se é direita ou esquerda”. Mas sempre fiz tudo. Quer dizer, fiz três cirurgias de joelho, mais tarde, agora, há pouco tempo, fiz no pé, eu tinha tudo pra ter parado. Eu lembro que quando eu operei uma vez meu pai chegou no hospital e falou: “Eu sabia! Por isso que não devia ter feito ballet!” Sabe, aquelas coisas? Mas eu acho que cada vez que eu passava por um problema eu tinha mais força pra continuar. E estou lá até hoje.

Você já citou algumas coreografias que você dançou. Teria mais alguma, que você se lembre?
Eu dancei uns dois ballets que uma vez a(Maria) Olenewa veio montar,  na década de 1950. Era uma “Mozartiana”, e era um que eu não me lembro o nome, mas eram jogos. Uma era tênis, a outra bola. Dancei “L'après-midi d'un Faune” com David (Dupre), que para mim foi uma das grandes coisas que me aconteceu. Dancei uns ballets da Maryla Gremo que eu adoraria até remontar, que foi “O Aprendiz de Feiticeiro” que era um ballet para a época, uma coisa muito atual. E o “Rondo Caprichoso”. Do Massine dancei todos: “Gaité Parisiense”, “Tricorne”, “Capricho Espanhol”, “Quinta Sinfonia” que é o “Presságios”, “Le Beau Danube”, “A Boutique Fantástica” e “Hino à Beleza”. Tivemos também na direção, durante uma época, (Vaslav)Veltchek. Ele fazia mais óperas. Fez um ballet pra mim que foi o “Afrodite”. Depois veio o William Dollar, com “Divertimento”, “Constancia” e “Sebastian”, que foi um ballet lindo, com o Aldo (Lotufo), David (Dupré), Berta (Rosanova). Eu e Jaci (França) fazíamos as irmãs.  Harald Lander com " Études" Dona Eugênia (Feodorova) montou “La Bayadére”, só o 2º ato, “Noite de Valpúrgias” e “Lago” completo, montagem dela. Com (George)Skibine eu fiz “Pássaro de Fogo”, “Daphnis et Chloé”. Na época do (Jorge) Garcia eu fiz “Paquita”, “O Triunfo de Afrodite” do Sparembleck, que montou outros ballets também. Dos brasileiros fiz “Maracatu” do Johnny Franklin. "Boi no Telhado" do Gilberto Motta, “Quincas Berro D’água” e “Gabriela” na época da Dalal (Achcar), que foi lindo também.  Com o Oscar Araiz eu fiz “Maginificat” e “Romeu e Julieta”. Teve na época da direção do Zarasp,  fiz uma rainha das Willes em “Giselle”, uma “Valsa de Ravel”. Com a Helba (Nogueira) eu fiz um concerto do Heckel Tavares, coreografia dela e do Gilberto Motta e “Floresta Amazônica” que a gente até filmou. Com ela eu fiz vários filmes nacionais também. Adorei trabalhar com Arthur Mitchell. Ele criouuma Valsa “Rhythmetron”, a coreografia e depois o Marlos Nobre fez, porque era tudo com percussão. E nessa época a gente estava trabalhando na Universidade, na reitoria, uma sala enorme, enquanto o teatro novo não ficava pronto. E eu me lembro do Marlos Nobre com os percursionistas fazendo a música em cima da coreografia do “Rhythmetron”.Que coisa interessante! Quer dizer que a música foi feita para a coreografia?
No repertório também “Sinfonia em C” que era do Davi (Dupré) e os ballets do Dennis (Gray). Com Jean-Yves Lormeau como Diretor eu fiz também “Lago”, quatro atos, “A Bela Adormecida”, e “La Sylphide” e " Les Noces" com Platel remontando aqui. Bem antes eu fiz com Harald Lander “Études”, que aliás a Dona Tânia tem um dvd que eu estou louca pra pegar! Que todo mundo que vê fica falando “Gente, você fazendo 32 fouettés, que coisa incrível!” Eu queria ver, porque essa gente que entra agora, como eu estou na produção, com figurino, as pessoas acham que eu fiz só isso. Mas não. Todo mundo que está ali na administração tem uma longa carreira. Uma história grande pra contar. Esse trabalho com o Lander foi muito interessante, porque "Etude" é uma aula. Ele ficou aqui muito tempo dando aula para a Cia, um mês eu acho. Depois ele escolheu a dedo quem fazia pirueta, quem fazia os fouettés, os piqués, os adage, etc. Foi um trabalho maravilhoso!
Na época da Dalal(Achcar), ainda dancei “Romeu e Julieta” do Cranko com a Márcia Haydée, “Coppelia”, Quixote”, “Quebra-Nozes”, “Sagração da Primavera”.  Também entraram as Óperas, em grandes montagens. “Aida”, por exemplo, uma montagem no Maracanãzinho, onde eramos todas pintadas verde, coisas do Dennis.!!!! Porque antigamente a gente se pintava toda pra fazer “Guarani”, por exemplo. Agora ninguém se pinta.  A coisa mais trágica era pintar o coro. Mas a gente se pintava, e essas Óperas a gente fazia sempre. Fizemos com a D. Eugênia na Lagoa “Noite de Valpurgis”, aqueles espetáculos do Medina, do Rei da Voz, que levava ballet para todos os cantos, todos os festivais tinham um ballet antes. Então tinha muita coisa pra fazer! Hoje em dia não tem nada. Eu fazia televisão, cinema, show, boate, fazia tudo. Hoje em dia não tem nada pra fazer. E as meninas são muito vazias. Eu estou impressionada com a falta de cultura, eu fico impressionada com as postagens do facebook dessas meninas. Uma coisa tão vazia, sabe? Não têm nada de cultura, nada. É o nosso futuro!
 Conforme você foi falando dos ballets que você dançou, você foi falando também das direções. E os maitres e pianistas?
Não era muito comum antigamente virem maitres de fora, não. Acho que só na época em que (Harald)Lander veio, que o Arthur Ferreira dava aula. Bem mais tarde o Erick  (deu. D. Tânia mesmo dava aula. Quando eu entrei a direção era da D. Tânia (Tatiana Leskova). Ela ficou muito tempo. Depois teve uma época pequena da Helba Nogueira, depois veio o Jorge Garcia, D. Tânia voltou, que eu me lembre ela veio em umas três ou quatro gestões enquanto eu estava, nesse meu período até 1980. Depois ela veio, não dirigindo, mas fazendo remontagem, na época do Jean-Yves (Lormeau). No geral foi isso mesmo, Jorge Garcia na década de 70, a Helba foi um pouco antes. Depois que saiu a D. Tânia veio o José Moura, isso muito pouco tempo. Depois que a Dalal( Achcar) saiu veio o Gustavo Mollajoli. Depois passamos por um período que eu nem gostaria de falar, mas depois você corta. Aí veio o Fause (Arap), depois o Sérgio Marshall, Marcelo Misailidis e o Hélio Bejani. Pra mim esses quatro (pode cortar) não contaram em nada. Não somou em nada. Ainda mais que nós tivemos uma direção do Jean-Yves Lormeau. Foi maravilhoso, porque ele nunca tinha sido diretor, só que ele aprendeu muito conosco, mas ele nos ensinou muito também. Era muito respeitador do nosso trabalho . Naquela época tínhamos muitos assistentes. Eu, João Wlamir, Loudja Mesquita. Ele sempre respeitava o nosso trabalho. Dizia “Vocês façam o trabalho de vocês. Nem que depois diga ‘eu errei’. E depois lá em cima eu converso com vocês”. Mas nunca entrou na sala para desmerecer o trabalho do assistente, só acrescentou. Era um bom diretor. Você sair dele e pegar os que a gente pegou depois é muito duro.
Aproveitando que você está falando do seu trabalho de assistente, você poderia contar um pouquinho como é esse trabalho? O que o assistente faz?
Primeiro ele tem que conhecer completamente a coreografia.A pior coisa é você chegar na sala e ouvir “Não, é assim!” Eu vi brigas enormes, ainda quando não era Fundação, na época da Helba, por exemplo. Porque se você não tem uma direção na frente, vira uma bola de neve, porque cada um lembra de um jeito. Porque hoje em dia você ainda tem o vídeo, antigamente era diferente, não tinha nada. Na época do Massine era filme, daqueles de rolo, que a Madame Massine, que era a mulher dele passava. Então tinha algumas coisas ver. Mas ele sabia as coreografias dele, tinha toda certeza. Mas você ser assistente aqui, ensaiadora aqui, sofre muito. Porque tem sempre bailarino que sabe mais do que você. Era muito engraçado, a Elba Nogueira quando dançava era assim. Ela era aquela bailarina que sabia tudo. Ela falava com as outras em cena! Umas coisas muito loucas. Mas sempre tem umas assim. Atualmente temos uma que virou assistente que é assim também.  Você está lá na cadeira da frente assistindo a um ensaio, ensaiando e do lado você vê um bando fazendo leitura labial do que você está falando. É muito difícil. E professor também. É muito difícil ser professor aqui. Em qualquer lugar, eu acho. Porque todos os professores que vieram, o Garcia sempre falava isso. E teve um que veio, não me lembro o nome dele, que dizia “Não faço mais de três meses em algum lugar. Porque com três meses os bailarinos já não me agüentam e eu já não agüento os bailarinos.” Porque aqui é assim, quando é novidade, por exemplo quando Eric Frederic chegou. Já é brasileiro ele. Quando chegou era uma maravilha. Depois começaram a dizer que a aula era muito rápida, que queriam fazer a aula do outro, a aula do César também não serve, a minha não servia. Agora, uma aula maravilhosa que eu fiz foi a do Mitchell. Mas também não sei se a gente trabalhando muito tempo deixaria de achar, entendeu? Mas bailarino acha isso, ainda mais quando é da casa. Quando é da casa é uma falta de respeito total, entra e sai da sala na hora que quer, você acaba a aula tem três, quatro ainda ali. E um grande mal: a direção quase não vai ver as aulas pra saber quem está trabalhando, quem não está trabalhando. Porque tem gente que quando você vê... A aula é dez horas. Dez e meia, quinze para as 11 tem gente que já está nas barcas. Vem, assina o ponto, faz a aula... Se você não quiser botar isso, não bota, não. Mas você fica sabendo. Então, é muito difícil ser assistente. Por exemplo, ano passado a gente fez “Dom Quixote” e “Carmem” e veio um professor italiano maravilhoso. Até uma pessoa simpática. Aquela história. Ficou aqui três meses, enquanto foi o Ballet, vieram os bailarinos de fora. Mas é uma coisa muito rotativa. Porque a turma se cansa fácil.

E pianistas?
Pianistas antigamente a gente tinha maravilhosos. Tinhamos a Tieta que era só de aula, que estava vindo do estúdio da Dona Tânia (Tatiana Leskova), e eu conheci guria. Ela já era uma senhora de idade.  Dona Helena Volkof era uma “coisa” de russo e tal! Fazia a aula da Dona Eugênia e tal. Porque antigamente a gente saía para fazer aula com essas pessoas. Eu ia no Leblon, morava em Olaria! Eu ia do Theatro para o Leblon, do Leblon eu ia pra Olaria. Não tinha Aterro, não tinha túnel, não tinha nada. Então, quando chegava fim de semana e não tinha espetáculo eu não queria nem ver rua! Porque era o dia inteiro, eu saía de manhã e voltava nove horas da noite. Aí eu tinha que estudar à noite, porque eu tive que acabar meus estudos à noite. Porque, se eu entrei pro Ballet com quinze anos, você imagina... Me atrapalhou um pouco. Mas a vontade ali era maior. E hoje em dia tem toda essa coisa das meninas fazerem faculdade também. Antigamente não era todo mundo que fazia faculdade. A minha irmã até fez de Filosofia. Foi professora muitos anos. Mas eu não tinha vontade nenhuma de ir pra faculdade. Bom, foi o que eu falei, ser assistente e professora era uma coisa difícil.

Então, pelo que você falou, você já lecionou ballet no Corpo de Baile. Lecionou fora também?
Muito pouco. Porque eu não gosto, só gosto de dar pra profissional. Dei aula uma época no estúdio da Heloísa Menezes aqui na Francisco Sá. Porque era Estúdio 3. Era dela, da Nora e da Helena Lobato. Atualmente é só da Heloísa. Eu gosto de dar aula, mas só pra profissional. Dei na Escola de Dança um tempo. Uma época. Nem sei se a Enamar estava na Escola essa época.

E você chegou a coreografar?
Não, não tenho o mínimo talento.

E outras atividades no Theatro Municipal?
Quando eu parei de dar aula, de assistente, quem fazia a produção e tudo era Rojan Cavina. Em 19555 a Rojan parou na compulsória. Era uma pessoa que eu não sei como era tão eficiente, não sei como fazia tudo sozinha! Tudo, impressionante. Hoje em dia estamos na produção eu, Inês Schlobach, Ana Lúcio Quevedo, só que eu sou mais a responsável por figurino. Elas são mais relacionadas a sapatilhas, maquiagem... E agora a Shirley passou a trabalhar comigo. Então nós somos quatro na produção. Não sei porque, mas eu sempre gostei da área de costura. Até hoje eu tenho um ateliêzinho” para fazer sainhas de ballet para loja, mas é tudo artesanal mesmo. Eu que compro, eu que costuro, eu que faço, eu que corto, eu que embalo, eu que faço tudo. Às vezes você tem encomendas grandes. Eu fico impressionada com aquela academia “Petit Dance”. Eu cheguei a fazer quatrocentas e poucas sainhas. Eu também fazia umas calças de nylon, pra fazer aula. Eu comecei assim, alguém trouxe de fora, aí eu fiz uma, nunca aprendi. Mas agora você entra na sala de aula de ballet, todo mundo está com roupa minha. Agora eu inventei umas compridinhas, com elástico. As meninas que vão pra Europa, não daqui, mesmo da academia – porque eu dei aula um tempo aqui no “Nós da Dança”, quando a Eleonora foi pra Europa. O mês que ela foi eu fiquei dando aula. E todas essas meninas que foram pra Europa levaram a saia. Aí depois “passam um facebook” ou telefone me dizendo quando vão chegar no Brasil e que querem mais saias. Uma loucura! Eu me lembro que, há muito tempo, eu fiz pra uma bailarina francesa e ela levou lá pra fora também. Tinhamos uma massagista, que era a Dona Adelaide, que fazia tricô na máquinha. E ela fazia todas as roupas, collant, biquíni de praia. Eu me lembro que Margot Fonteyn quando veio aqui fez um enxoval com ela! Depois só usava as roupas da Adelaide. Eram muito lindas as roupas dela. Ninguém depois fez igual a ela. Eram bem interessantes. Aí eu acabei entrando pra esse lado também. E hoje em dia eu estou nessa área.

Você gostaria de falar mais alguma coisa...?
 Eu já falei tanto !

Mas você quer, tem vontade de deixar mais alguma coisa, alguma mensagem?
Eu entrei na compulsória em 2010. Foi ano passado. Aí eu já estava com 71, vou fazer 72. E o que eu achei maravilhoso, para mim, foi que a Carla Camurati não me deixou parar. Ela me deu um outro cargo. Porque você não pode continuar a trabalhar no Estado sem você ter uma outra matrícula. Então ela me deu um cargo, uma salário meio simbólico para eu poder continuar. Então eu tenho um outro cargo porque ela não quis que eu parasse. E eu achei ótimo. E foi muito legal, na festa dos 100 anos eu ganhei uma medalha. Uma medalha maravilhosa. De ballet só eu e Aldo que ganhamos, e Dona Tânia(Tatiana Leskova). Ganhou o(jose) Moura, na Ópera foi a Diva Pieranti e o Colósimo. Da técnica lá do teatro foi o Jorge do palco. Foi muito linda a festa, a medalha é linda. E ela é uma pessoa que me respeita muito, então ela não quis que eu parasse. Isso pra mim foi ótimo porque ano passado, ele faleceu em abril, vai fazer um ano agora. A gente estava em plena atividade, ia estrear “Giselle” na semana seguinte. Eu não parei. Fui direto. Porque isso ajuda você. Por exemplo, essas férias que a gente está tendo agora, eu estou aqui entrando em parafusos há séculos. Porque é muito tempo, por causa desmoronamento (houve um desmoronamento de um predio na 13 de maio do lado do Theatro. No teatro afetou um pouco a parte de ar refrigerado porque as máquinas ficam todas embaixo, no térreo.A poeira entrou por baixo. Porque, como aquela porta grande do cenário teve problema, a poeira entrou por ali. Mas, no Anexo, caiu o primeiro andar da bilheteria e acabou o segundo andar. E pra mim foi uma coisa tão impressionante esse desabamento porque aquele quarteirão ali para a gente era muito importante. Eu era da escola de dança. E a gente fazia aula ali, tinha aquela padaria ali atrás, a gente ficava esperando pra ir pro ensaio depois da aula da D. Luisa (Carbonel). A D. Luisa era uma pessoa incrível. Porque na escola de dança se você esquecesse a fita você não podia fazer aula. Se você esquecesse a faixa daquela roupinha azul você não podia fazer aula. Aí ela botava a gente atrás do piano pra gente trocar a roupa pra fazer aula. Com tudo isso a Madaleine (Rosay) pegou um bocado de coisas no pé dela para botar ela pra fora. E a D. Luisa tinha uma turma muito fiel. E eu sabia muito bem até onde eu podia ir. Porque no primeiro, segundo e terceiro ano, o que ela fez a gente fazer na festa da escola. Era uma aula no palco: um collant, uma sainha, meia ponta, nada. E tinha as aulas da D. Edi Vasconcelos, da D. Gertrudes que dançavam nas pontas. E chegou no terceiro ano, podia fazer ponta, aí sim ela deixou. Era eu, Wanda Garcia, Ruth Lima, Magali Osorio, vinhamos desde o preliminar com ela. Chegou uma época que acabou uma turma, não sei se foi da Gertrudes, então passou uma turma para fazer aula com a D. Luisa. Era Rojan Cavina), Shirley (Menezes), e não combinava nada, era água e vinho. Era bem diferente, porque elas todas faziam "tutus" maravilhosos no fim do ano! Então aquele quarteirão ali pra mim, aquele prédio que caiu! O dentista da gente era ali, o calista era ali, a gente marcava o calista pela janela. Eu tinha um padrinho que tinha um escritório de engenharia naquele prédio. E quando tinha bailarino de fora que a gente queria ver mas não podia entrar na sala, a gente ia lá pro prédio, entrava no consultório, pra ver os ensaios lá da sala, porque eram maravilhosos. Então tinha um glamour, aquele quarteirão. Tinha o cheiro da padaria! Iamos correndo e voltavamos pra ensaiar, subia aquele elevador “furreca” ali. A escola era pequena, mas era de acordo com o tempo.  E era um charme. Aliás eu acho essa escola de dança, aquele prédio, um charme! Tinha que passar por uma recuperação, porque é lindo aquele prédio ali. Mas dizem que está muito abandonado. Então, são essas coisas que marcam a vida da gente. Eu vivi mais no Theatro do que na minha casa! Eu mudei de marido, mudei de casa várias vezes, mas  do Theatro eu nunca mudei! Estou lá há 61 anos, sei lá quantos... Porque mesmo com 8 anos, na escola, já era no Theatro. A coisa mais deliciosa era quando você podia fazer aula do outro lado! Aí atravessava pra fazer aula com aquele negócio azul horroroso. E já pequenininha eu já fiz “Negrinhos de Aída”, “Faustaff”, fazia um monte de ópera. Tinha criança. Então eu entrei com 8, vou fazer 72, quer dizer, 60 e tantos anos! É mais do que você morar numa casa, com uma família. Você tem colegas que você encontra mais do que irmão, irmã, primo, essa coisas...

E você teria alguma palavra para falar para essa nova geração, para os jovens que atualmente querem fazer aula de ballet e se dedicar à profissão.
Olha, eu vou confessar que atualmente eu não incentivo ninguém a começar porque eu acho que é um barco sem rumo atualmente. Até uma época que você tinha muita chance de ir pra Europa, a gente tem muitos bailarinos que na década de 1980 foram trabalhar fora e vivem até hoje em dia lá, conseguiram se firmar. Hoje esse intercâmbio não está existindo mais, quem está indo está parando. Tem que ser bom demais, um Thiago, ou um Marcelo Gomes. Mas aqui no Rio não tem nada. Não tem uma academia descente para você fazer aula, acabaram todas as academias. Antigamente todo mês de janeiro vinha todo mundo de fora para fazer aula aqui com D. Eugênia(Feodorova), D. Tânia (Tatiana Leskova). Hoje em dia não. Hoje em dia ou alguns professores vão para lá, ou uns professores que não sabem nada estão dando aula. E tem ótimas academias em Belém do Pará, vários lugares. Academias que não existem aqui, nem pensar! Tem uma academia de uma menina que eu conheço lá, Ana Unger, lá em Belém. São 4, 5 andares, tem pilates, natação, tem judô, porque tem que ter tudo hoje em dia. Porque uma academia só com ballet hoje em dia não se sustenta. Então é muito difícil. Hoje em dia eu não adapto, eu odeio dar aula de CD. Quando eu dava aula aqui na Eleonora eu pagava pro Gelton vir tocar pra mim. Porque eu odeio. E ali na Eleonora tem uma pianista também. A gente até estava falando de pianista, não falei do Geraldo Rocha Barbosa, que era um exímio concertista. Ele até saía com bailarinos por aí. Eleonora cansou de fazer turnê pelo Brasil, ela, Aldo (Lotufo) e ele. Ele tocando nos intervalos e eles dançando. Ele era sensacional, só que já tinha muita idade. Ainda chegou a pegar um pouquinho da era da Dalal (Achcar), mas já estava com 80 e poucos anos. Porque trabalhamos com a Dalal (Achcar) no Villa Lobos. E até agora seria uma opção. Mas o Villa Lobos pegou fogo também. Então a gente está totalmente sem opção de pra onde ir trabalhar. Então a gente vai pra Escola de Dança e vai ser um caos. Porque Escola de Dança com Jean-Yves (Lormeau) era difícil. Escola de Dança sem o Jean-Yves... Mas é muito pouco horário. Acontece que agora vai entrar a criação e vai ficar trabalhando mais o pessoal de criação. Porque você só vai poder fazer o ballet.

As pessoas acabam indo fazer aula fora.
Olha, se você encontrar 10% dos bailarinos que no tempo parado estão indo fazer aula fora em outras academias, você Antigamente a gente não parava de fazer aula.
Tinhamos até 3 meses de férias, antigamente, porque tinha o baile de carnaval  do Theatro. Então o Theatro tinha que parar mesmo, por causa de Carnaval, aquelas coisas. Porque, em geral, a gente viajava muito. Viajei muito com a Helba, conheci o Brasil todo. Porque ela viajava pelo Ministério da Educação. Viajamos bastante. Até fomos dançar na Argentina, no Chile. Eu fiz uma ópera, “Guarani” em Napoli. Ficamos um mês em Napoli, fazendo “Guarani”. E o mais engraçado é que era o Johnny (Franklin). Ele estava dirigindo o Ballet de São Paulo nessa época. Então o convidaram  para fazer o “Guarani” lá em Napoli, e ele quis levar metade do pessoal daqui e metade do pessoal de São Paulo. Então foi muito bom, porque foi gente pra caramba. Eu, Vera Aragao, Regina Ferraz, Silvia Barroso, Helena Lobato, Renato Magalhaes, um bando daqui. Chegamos em Napoli, sabe como é italiano. Eles viram que ia ter uma coisa estrangeira e entraram em greve. Aí a gente já ficou sem trabalhar uma semana. Fomos pra Roma, Capri, passeamos muito. Ficamos um mês na Europa às custas de dançar na meia ponta o “Guarani”. Não tem coisa melhor. O pior é você ir dançar em Manaus e ter que levar sapatilha maior porque o pé incha. Manaus é fogo, a gente foi várias vezes. Manaus é muito bom. Na época da zona franca! Isso não é pra registrar, mas a gente foi na época da zona franca e a gente foi de búfalo. Porque com a Helba a gente viajava muito de avião da FAB. Uma vez em 1966 fomos reinaugurar o Theatro da Paz e viemos num correio aéreo daquele. Aí era de madrugada. Foram pegar o pessoal na “Maromba” que era uma boate. Aí pegamos o pessoal todo e entramos no avião. Era um “teço-teco” praticamente. Foi aí que Erick e Eliana saíram e ficaram lá e algumas pessoas desistiram. Foi quando começou o namoro dos dois. Lá em Belém. E eu vim. Eu estava começando a namorar o Eli. Eu tinha me separado. Chovia dentro do avião. Tinha um que queria trazer uma jaguatirica. São coisas do arco da velha. Ainda paramos em Conceição do Araguaia, entraram umas freiras. Foi muito engraçado. E quando a gente foi de búfalo na volta, tinham comprado tanta coisa... No búfalo você senta do lado. O centro era tomado daqueles ventiladores enormes e aquelas televisões grandes. A gente ficou num lugar que era do exército e quem ficou com a gente também foi a Carlota Vieira Souto. E ela teve uma mordida de aranha, porque o lugar era tipo moradia de soldado.  Necrosou, ficou uma coisa horrível. Depois passamos a não querer ficar mais nesses lugares assim. Queria ficar em hotel. Hoje em dia, não. Ninguém sai daqui pra São Paulo de ônibus, nem pensar. Só avião. A diária tem que ser enorme. Elas estão ganhando salário aqui, mas tem que ter diária. Elas ganham comida, ônibus e ainda tem a diária. Quer dizer, é muito difícil viajar assim. Por isso que ninguém sai pra canto nenhum. Então, é o que eu estou dizendo, é desanimador eu dar uma palavra de incentivo assim. Lógico que sempre haverá os talentos, sempre haverá gente pra fazer. Mas eu acho a coisa hoje em dia muito difícil. E não é só aqui no Brasil, eu acho. Em Stuttgart que era a coisa mais linda que eu já vi na vida, aquela Companhia, hoje em dia não é mais tudo aquilo.

Obrigada pela sua contribuição na nossa pesquisa.




Nenhum comentário:

Postar um comentário